Mary Del Priore fala sobre contribuição da Literatura para a Historiografiaby marcia |
Como parte da 7º Encontro Nacional de História da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a professora e historiadora Mary Del Priore fez sua conferência, neste sábado, 28, na da 7ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Ela veio a Maceió pela primeira vez, após ser convidada pelo professor de História da Ufal, Gian Carlo de Melo, que há 10 anos, mantêm contato com uma das maiores especialistas da História da vida privada no Brasil.
Mary Del Priori em entrevista à Ascom
Autora de 37 livros, sendo o último o seu primeiro romance, chamado Beije-me onde o Sol não alcança, pela Editora Planeta do Brasil (2015), Priore é conhecida pelos debates sobre a intimidade, as relações afetivas e a privacidade da família brasileira nos últimos 450 anos. Em entrevista à Assessoria de Comunicação da Bienal, ela nos falou como lida com as fontes informais e a falta de registros de alguns de seus temas de interesse, mas antes comentou sobre a sua chegada a Alagoas.
Del Priore – Eu estava dizendo aos colegas que o que me encanta quando eu tenho a oportunidade de vir ao Nordeste é aquela sensação de que eu estou em outro país. Num outro país maravilhoso que as pessoas do Sudeste costumam desconhecer e que quando vêm, vêm para praia e simplesmente não aproveitam o maravilhoso desse falar, que é o falar de vocês, a entonação das palavras, as paisagens que mudam tanto, aqui de Maceió, com essas lagoas, que são absolutamente belíssimas, os coqueirais, a cor da água, a comida, os cheiros, as frutas. Eu estou absolutamente siderada, porque vir aqui é realmente conhecer alguma coisa que eu não conheço que é muito lindo.
Ascom – Apesar de você conhecer tão pouco Maceió, você conhece o Nordeste de forma profunda. Quando é que você decide que história deve contar, quando é que nasce a vontade por uma nova temática?
Del Priore – Facílimo, eu sou historiadora e eu acho que o lugar de historiador é o arquivo. Eu detesto a repetição e estou sempre correndo por coisas novas e essas coisas novas, eu acho nos arquivos. Eu até brinco e os meus leitores espíritas costumam mexer comigo, eu brinco que os mortos falam através da documentação e que muitas vezes eu estou ali, trabalhando, pesquisando alguma coisa e eu vejo um mortinho passando lá atrás e o mortinho diz “olha, trata de mim” e é assim que eu acho documentação nova e decido por que lado eu vou. É por isso que eu não me prendo muito às linhas de pesquisa ou de interpretação. Eu vou onde há matéria. Eu me lembro de um grande historiador francês, que é o Jacques Le Goff, ele dizia que era um ogre que ia atrás de carne humana. É um pouco dessa sensação que eu tenho. Quando eu vou para o arquivo, vou atrás de vida, de carne humana, de história, e é isso que me move.
Ascom – Mas você lida muito com o íntimo, com a História informal e os documentos lidam com a formalidade. Então como é que você encontra esses personagens? Como você lida com as fontes?
Del Priore – Justamente. A historiografia se faz muito em cima de modismos e aqui já estou fazendo uma crítica às universidades, que dão pouco espaço para os alunos correrem atrás da sua criatividade, ou da sua sensibilidade. Ora, documentos sobre a privacidade das pessoas existem em toda a parte. Só pra te dar um exemplo engraçado: eu recentemente, no Museu Imperial, descobri uma carta da Condessa de Barrau, em que ela conta, com muita naturalidade que Dom Pedro 2º usava dentadura. Oh, meu Deus! É um grande achado historiográfico saber que Dom Pedro usava dentadura, lógico que não! Mas aproxima, é uma coisa que nos aproxima do personagem, deixa ele mais vulnerável, deixa ele mais humano. E a condessa de Barrau gostava tanto dele, que mesmo ele sem dentadura, ela consegue escrever na carta que ele estava muito bonitinho, mas na verdade ele estava de cama, sem dentadura, todo amarelado, todo encurvado, com cabelo colado na testa. Então eu acho que os documentos existem, eles estão aí. Quando eu achei aquele retrato do Dom Pedro I com o pênis ejaculando, é um bilhetinho que ele faz para a Marquesa de Santos, também é um achado interessantíssimo, mas ele estava lá no meio de milhares de outros documentos. É o olhar que a gente dirige para a documentação que define o que vamos achar ali.
Ascom – Que gênero você classificaria para o tipo de historiografia que você faz? Pergunto porque é muito similar ao conceito de Jornalismo Literário, de livro-reportagem. Ao mesmo tempo em que você lida com o íntimo, acaba criando imaginários sobre aquilo. Como você consegue preencher essas áreas cinzentas entre aquilo que foi dito e o que não foi dito?
Del Priore – Quando se trata de livros de História, eu geralmente fico muito presa ao que foi dito. No mais, obviamente eu procuro ter uma narrativa mais saborosa, mais bonita, eu gosto que meu texto tenha música. Eu sou uma grande leitora de Literatura e eu reconheço que os grandes espíritos literários – e aqui no Nordeste, vocês, obviamente podem até dar gargalhadas de tanta gente boa que vocês têm, de Aurélio Buarque, José Lins do Rego, Gilberto Freyre, que para mim é o maior de todos porque ele juntou História, Literatura e Antropologia. Aqui, o grande poeta Jorge de Lima – Quem gosta de Literatura, quer ter um texto musical, quer ter um texto bonito. Agora nesse meu último livro, eu juntei documentos históricos com ficção. O que é que eu fiz? Eu me lembrei que durante séculos História e Literatura andaram de mãos dadas. Por exemplo, se você quer entender como é que viveram os operários franceses das minas do Norte da França, você tem que ler Germinal. Se você quiser saber como é que foi a Revolução Industrial na Inglaterra, você vai ter que ler Dickens. Então, esses são autores que mostram que História e Literatura podem andar de mãos dadas e andaram, porque nas academias dos séculos 17 e 18, o poeta, o historiador, o genealogista, alguém que escrevia ficção, ou que escrevia bonito para o rei, eles eram exatamente a mesma pessoa. Quer dizer, estou convidando hoje o historiador a repensar quais são os limites da narrativa a se aproximar da Literatura. Estou fazendo alguma coisa de original? Não! Porque nos Estados Unidos você já tem um curso, que se chama de Creator History, que é a história criativa. Na França, jovens professores estão demolindo esse problema da historiografia ficar amarrada à teoria, as teses terem 500 páginas explicando porque é que estão escolhendo tal teoria, que no mais das vezes nem tem a ver com a realidade brasileira. Então, eu sinto que é um movimento muito grande e eu estou surfando, eu que não gosto de ficar presa, eu estou que nem o surfista em cima dessas ondas e procurando acompanhar.
Ascom – Qual o projeto, ou tema em andamento que você está se debruçando no momento?
Del Priore – Depois desse livro de ficção histórica, eu estou fazendo quatro volumes para a Editora Leya, sobre o cotidiano dos brasileiros e quando eu falo sobre o cotidiano, eu estou me referindo às condições materiais da nossa vida. São quatro volumes: Colônia, Império, República Velha e República Nova, em que as perguntas colocadas são as mesmas para o leitor acompanhar as evoluções e transformações, ou não, e essas perguntas vão desde a materialidade que cerca os brasileiros, a sua casa, a água que chegava, ou não, a roupa que ele vestia, o mobiliário que existia, a comida, como se fazia, o tratar com as mãos, a mão do brasileiro que é riquíssima e ela muitas vezes apurou coisas que vêm de 300, 400 anos, a mão da cozinheira, do pedreiro, marceneiro. Então é uma espécie de história desse fazer do brasileiro, de como vivemos, contada em 400 anos.
Além da conferência, Mary também esteve presente no Centro de Convenções Ruth Cardoso para participar do lançamento da obra o Crime e a História do Brasil, publicado pela Edufal, sob a organização do professor Gian e com um capítulo da convidada.
Jhonathan Pino – jornalista
Aline Lima – fotógrafa
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