Vingança: flagrante na saída do motel
by marcia
O
adultério não é mais crime pela legislação brasileira, mas ainda traz
muita violência e constrangimento. Nessa semana, causou polêmica um
vídeo que circulou pelas redes sociais, em que o marido flagra a esposa
com o amante, na saída do motel. Agressões e xingamentos foram gravados e
depois amplamente divulgados. A exposição dos envolvidos na internet é a
vingança "moderna" contra a traição e o desprezo. Homens também têm
tornado públicas as intimidades sexuais das mulheres que julgam tê-los
ofendido ou traído.
A
opinião pública e os "juízes" das redes sociais estão sempre prontos a
condenar as adúlteras e devassas. "Quem mandou se deixar ser filmada?"
ou "Quem mandou trair?". Sem dúvida, o ônus dessas situações recaem
sobre as mulheres, na maioria das vezes. A humilhação de ter sua
intimidade exposta para milhares de desconhecidos tem destruído a vida
de muita gente. A vingança, por pior que seja, é sempre relativizada,
pela suposta culpa da vítima. Além do apedrejamento virtual, ainda
convivemos com a violência física e mesmo o assassinato de mulheres
motivados pela sua conduta sexual.
Isso
já vem de longa data. A mulher adúltera sofria graves consequencias de
seus atos, desde os tempos coloniais, como nos conta Mary del Priore, em
"A História do Amor no Brasil". Vamos conhecer alguns casos: José
Galvão Freire matara em Guaratinguetá sua mulher, D. Maria Eufrásia de
Loyola, e ferira o estudante Manuel de Moura, por “achá-los em
adultério”. O delito era para os desembargadores “desculpável pela
paixão e arrebatamento com que foi cometido”, e assim permitiram que o
uxoricida cuidasse de sua defesa em liberdade”.
Já
a gente "de cor", explica a autora, não encontrava a mesma benevolência
junto dos magistrados, certamente porque aos maridos negros ou mulatos
se entendia que não havia honra a defender. Manuel Ferreira Medranha,
pardo liberto, foi condenado a degredo por toda a vida em Angola, além
de pagar pena pecuniária, por ter matado a mulher. Na legislação lusa e
na sociedade colonial constata-se a assimetria na punição do assassínio
do cônjuge por adultério. Enquanto para as mulheres não se colocava
sequer a possibilidade de serem desculpadas por matarem maridos
adúlteros, para os homens a defesa da honra perante o adultério feminino
comprovado encontrava apoio nas leis. O marido traído que matasse a
adúltera não sofria qualquer punição. Lemos nas Ordenações “Achando o
homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a
ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero, fidalgo,
desembargador, ou pessoa de maior qualidade”. Assim, enquanto a
condição social do parceiro do adultério era levada em conta, à condição
social da adúltera não se revestia da menor importância. Tanto podia
ser morta pelo marido a plebeia como a nobre. Outra punição para as
adultas, o confinamento num convento.
Em
1771, Bento Esteves de Araújo, suspeitando da traição de sua mulher Ana
da Cruz, confinou-lhe no convento de N.Sra. da Ajuda, no Rio de
Janeiro. Mas a paixão devia ser grande, pois lhe escrevia, “não tenho
tempo de narrar o que tenho sentido a seu respeito...olha fiquei tão
fora de mim que cheguei em casa todo molhado [...] Infinitas vezes tenho
de noite acordado todo elevado, e querendo completar toda a vontade não
acho o que tenho no sentido, pois cada dia, são mais de mil lembranças
destas[...]”. E avisando à esposa que iria visitá-la às escondidas,
rabiscava: “Estando o prego fora avise que lá irei dizer-lhe um adeus,
ouviu. Rasgue logo esta. Seu marido”.
Mesmo
conscientes de que o castigo do adultério feminino era bem mais
rigoroso do que o do masculino, as mulheres da colônia não deixavam de
cometer este pecado – do ponto de vista da Igreja – ou, este crime -
ponto de vista do Estado. Não era fácil para elas manter relações
adulterinas a não ser na ausência do marido, por separação decretada por
Tribunal Eclesiástico, ou por contato frequente com clérigos. Senhor de
engenho no Recôncavo, Jacinto Tomé de Faria se ausentava com freqüência
da cidade para ir para suas terras. Sua mulher, Ana Maria Joaquina da
Purificação nunca o acompanhava. Isto porque de noite ela recebia seu
amante, o cônego da Sé da Bahia, José da Silva Freire. Este entrava
clandestinamente em sua residência, e para melhor o conseguir “mandara
roçar o mato que ficava na parte do quintal e por esse insólito caminho
adentrava a casa, fechado em sua cadeira de arruar” ou envolto num
espesso capote. O cônego tinha as chaves de uma porta que ficava do lado
do quintal da qual passava, por uma série de alçapões construídos por
seus escravos, para um quarto do sobrado onde Ana o aguardava”. Pego em
flagrante,o cônego foi processado e pagou 300$000 ao senhor do engenho
além de ter sido degredado por um ano para Ilhéus.
Afagos
e deleites não dão margem a ilusões pois as tensões e conflitos estão
bem presentes. Temperadas por violência real ou simbólica, as relações
eram vincadas por maus tratos de todo o tipo, como se vêem nos processos
de divórcio e na obsessão das mulheres por acalmar seus maridos e
amantes por meio de magia. Não faltaram mulheres assassinadas por mera
suspeita de adultério ou por promessas de casamento não cumpridas.
Infelizmente,
ainda hoje, a sociedade ainda é mais benevolente com as traições
masculinas. Em pleno século XXI, ainda ouvimos que os homens "são assim
mesmo". A mulher, entretanto, continua a ser agredida física e
emocionalmente - e virtualmente - por seus atos.
- Texto de Márcia Pinna Raspanti e Mary del Priore.
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