domingo, 27 de dezembro de 2015

O Natal no passado: festejos e religiosidade

O Natal no passado: festejos e religiosidade

by marcia
Existem vários relatos de como nossos antepassados comemoravam o Natal. Não podia faltar comida, bebida e música. Vamos conhecer alguns deles:
Na corte:
Chegou o Natal: o menino sobre a palha da manjedoura, a missa do galo, os presépios de Belém, as cantigas singelas. Nos arredores da corte, inclusive São Cristóvão, as capelinhas abriam as portas; a luz dos círios, os sons do órgão e o murmúrio das vozes enchiam os templos. Nas igrejas, abundavam as toilettes novas, e os jovens aproveitavam para dizer graças, e bolir uns com os outros. Na festa do Club Guanabarense, em Botafogo, houve queima de fogos à meia-noite. Seguiam-se as trocas de cadeaux – os presentes comprados, de preferência, nas lojas de nome francês. Seguiu-se a noite de Reis, com ceias lautas e menus europeus à base de ostras, maionese e gelatina. (O Príncipe Maldito, de Mary Del Priore).
Nas fazendas:
O ritmo do trabalho só era quebrado pelo calendário religioso e as festas de colheita. No Natal, por exemplo, recebia-se visita de parentes vindos da cidade. Nestas ocasiões, a casa se enchia de balbúrdia, as escravas aprontando bandejas e compoteiras. Presentes na forma de galinhas, leitões e perus, amarrados com fitas coloridas, eram entregues aos vizinhos e amigos. Os bailes pastoris, outra forma de comemorar, apresentavam um tom monótono e solene com o perfume e a chuva de flores que promoviam ao longo de sua realização. Natal também era momento para ver dançar as pastorinhas e visitar presépios. (Barral - A Paixão do Imperador, de Mary Del Priore).
Na visão dos viajantes:
As festas do Natal e da Páscoa, sempre favorecidas no Brasil por um tempo magnífico, constituem épocas de divertimentos tanto mais generalizados quanto provocam mais de uma semana de interrupção no trabalho das administrações e nos negócios do comércio; o descanso é igualmente aproveitado pela classe média e pela classe alta, isto é, a dos diretores de repartições e dos ricos negociantes, todos proprietários rurais e interessados, portanto, em fazer essa excursão em visita às suas usinas de açúcar ou plantações de café a sete ou oito léguas da capital.
Quanto aos artífices, reunidos na casa de seus parentes ou amigos, proprietários de sítios vizinhos da cidade, aproveitam essas festas para gozar em liberdade os prazeres que essas curtas e pouco dispendiosas excursões lhes permitem. Basta-lhes com efeito mandar levar sua esteira e sua roupa pelo seu escravo. À noite, à hora de dormir, as esteiras desenroladas no chão, cada qual com seu pequeno travesseiro, formam leitos de emergência distribuídos pelas três ou quatro salas do rés-do-chão, que constituem uma residência desse tipo. No dia seguinte, ao romper do dia, ergue-se o acampamento e os mais ativos se separam para ir passear ou banhar-se nos pequenos rios que descem das montanhas vizinhas. O exercício da manhã abre o apetite; volta-se para almoçar, mas inventam-se divertimentos mais tranquilos para o momento do sol forte até uma hora da tarde quando se janta. De quatro às sete dorme-se e, depois da Ave-Maria dança-se durante toda a noite ao som do violão. Deliciosos momentos de fresca, empregados pelos velhos na narrativa de suas aventuras do passado e pelos moços em dar origem a alguns episódios felizes, cuja recordação encantará um dia a sua velhice.
Este ligeiro esboço dá entretanto apenas uma pobre ideia das brilhantes recepções realizadas na mesma época nas imensas propriedades dos ricos que, por vaidade, reúnem numerosa sociedade, tendo o cuidado de convidar poetas sempre dispostos a improvisar lindas quadrinhas e músicos encarregados de deleitar as senhoras com suas modinhazinhas. Os donos da casa também escolhem, por sua vez, alguns amigos distintos, conselheiros acatados do proprietário na exploração da fazenda que visitam demoradamente com ele, ao passo que, ao contrário, os jovens convidados, ágeis e turbulentos, entregam-se a essa louca alegria sempre tolerada no interior. Aí todos os dias começam, para os homens, com uma caçada, uma pescaria ou um passeio a cavalo; as mulheres ocupam-se de sua toilette para o almoço das dez horas. À uma hora todos se reúnem e se põem à mesa; depois de saborear, durante quatro a cinco horas, com vinhos do Porto, Madeira ou Tenerife, as diferentes espécies de aves, caça, peixes e répteis da região, passam aos vinhos mais finos da Europa. Então o champanha estimula o poeta, anima o músico, e os prazeres da mesa confundem-se com os do espírito, através do perfume do café e dos licores. A reunião prossegue em torno das mesas de jogo; à meia noite serve-se o chá, depois do qual cada um se retira para o seu aposento, onde não é raro deparar com móveis, perfeitamente conservados, de fins do século de Luiz XIV.
No dia seguinte, para variar, vai-se visitar um amigo numa propriedade mais afastada; tais cortesias aumentam ainda os prazeres dessa semana que sempre parece curta demais. Alguns amigos íntimos, que dispõem de seu tempo, ficam com a dona da casa, cuja estada se prolonga durante mais seis semanas ainda, em geral, depois do que todos tornam a encontrar-se na cidade. (Rio de Janeiro: cidade Mestiça, de Jean-Baptiste Debret).
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Debret: Natal.
Na Europa:
Palácio de Coburgo, Viena, Áustria, no frio dezembro de 1871: em carta à irmã, a princesa Isabel, a jovem princesa Leopoldina descrevia a paisagem açucarada pela neve e revelava o cotidiano da família real: “ocupadíssima com arrumações...vamos ao circo e depois comprar a árvore de Natal!”. Já era hábito, então, que o pinheiro ostentasse variados enfeites: fios de prata, bolas de vidro, pinhões dourados, pequenas maçãs suspensas em redes e toda a sorte de bombons. Velas de cera colorida ardiam durante o jantar e as crianças, bem comportadas, tinham direito a presentes. É só a partir desta época, que as elites começam a copiar, nos trópicos, os hábitos europeus. (O Castelo de Papel, de Mary Del Priore).
Em Salvador, Bahia, no século XVIII:
Escravos apressados subiam e desciam as íngremes ladeiras que levavam da Cidade Alta à Baixa. Na cabeça, pesadas cestas com perus vivos, bolos e doces feitos em casa. No interior dos caçuás, seguiam bilhetes em papéis recortados, assim como os “presentes” eram envoltos em folhas cuidadosamente rendilhadas. Tocando os sinos colocados no portão e, num grande sorriso, os carregadores anunciavam: “Siô branco manda uns presente...”.
Não tinha pinheiro nem neve, mas o Natal era a festa mais importante do calendário popular do Brasil. Mestre Câmara Cascudo, nosso maior etnógrafo, diz mesmo que as palavras “Natal” e “festa” eram sinônimos. E que dezembro era passado em meio a um autêntico ciclo de bailes, reuniões e ingestão de alimentos típicos, que terminavam a 6 de janeiro, por ocasião do dia de Reis. O bumba-meu-boi, o boi-calemba, as marujadas, os pastoris com suas lapinhas, as congadas e reisados preparavam, cada um, num dia, a chegada da missa do galo. E até o fim do século XVIII, muitas danças profanas, ao som de instrumentos rústicos, eram bailadas no próprio interior da igreja. Do lado de fora, representava-se a Natividade, com membros da comunidade no papel da Sagrada Família, dos Pastores e dos Reis Magos. Enquanto isso, animais de verdade, pastavam tranquilamente, em improvisadas manjedouras. Cantos enchiam a noite, dando continuidade a uma tradição musical que começou no século XI, em Portugal.
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Salvador, Rugendas.
O hábito de remeter um “pão por Deus” era comum. Espécie de ancestral dos presentes de hoje, consistia na troca de comidas simbólicas, o pão, com seu simbolismo eucarístico e solidário, sendo o favorito. Não faltou quem fizesse graça, nesta ocasião. O famoso poeta baiano, Gregório de Matos, também conhecido por Boca do Inferno, num de seus poemas ironizou uma freirinha do convento de Nossa Senhora das Mercês, conhecido por seu laxismo. O título diz tudo: “A certa freira que mandou a seu amante graciosamente por “pão por Deus” um cará”! A sugestão era óbvia. De presente, ela queria algo parecido com o tubérculo.
Excessos eram comuns. Na letra de um dos muitos bailes pastoris dançados na Colônia, os pastores e reis confessam ao menino Jesus  estarem “melados”, “chupados” com a cabeça pesada e desmemoriados por causa de tanta bebida:
“Veja como estão vocês
De caiana tão tomados
Vocês não veem o presepe
Como estão embriagados”.
            O pecado menor de “bebedice” era logo perdoado pelo Divino Menino. O relato poético, assim como outros documentos do período, comprovam que o Natal de nossos antepassados era um misto de sagrado e profano, onde a devoção espiritual e os excessos se combinavam com as boas intenções. O Natal era a festa de todos, e, sobretudo, a celebração do convívio e da solidariedade. Carne, arroz e pão eram distribuídos, pelas irmandades religiosas, aos pobres. Ninguém ficava de fora da festa de abundância.
Nada a ver com nossas festas cada vez mais consumistas e individualistas, de hoje!
Por Mary Del Priore. (edição de Márcia Pinna Raspanti).
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Cartões de Natal: o costume surgiu no século XIX.

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