domingo, 30 de janeiro de 2011

A vida revolucionária de Friedrich Engels

Comunista de Casaca - A vida revolucionária de Friedrich Engels’ (Editora Record, 470 páginas), escrito por Tristan Hunt, professor de História da Universidade de Londres e colaborador do The Guardian, The Times e do London Review of Books. O autor é um especialista em cultura inglesa e pensamento político do século 19. O livro em questão é a biografia leve do sujeito que dividiu com Karl Marx a glória de fundar o marxismo, uma espécie de credo político com pitadas de fervor teológico que levou somente o nome do segundo, mas não existiria se não fosse a grana do primeiro. Engels não ficou só no depósito bancário. Ele tinha tutano. A ponto de escrever vários livros e redigir O Manifesto Comunista com Marx. Ele não era um José Roela. Engels era um sujeito sensível que se impressionou com a miséria dos operários das fábricas de sua família e a partir desta indignação fez um estudo detalhado da situação da classe operária na Inglaterra. Muitos dos impasses que os futuros dirigentes políticos, no século 20, encontraram foram resolvidos não com um mergulho na obra de Marx, mas sim na de Engels. De tal forma que quando havia regime comunista na face da Terra, em lugares às vezes remotos, o ritual em manifestações coletivas era botar uma estampa de Marx ao lado de outra de Engels e depois o resto da curriola, Lênin, Stalin e o sujeito que mandava no país: Fidel Castro se fosse Cuba ou Mao Tse Tung se fosse a China, Tito na Iugoslávia e assim por diante. Mas como as gerações atuais não têm obrigação de saber quem era este sujeito, além de ser aquele cara que ficava ao lado de Marx na iconografia socialista, é perfeitamente compreensível que alguém pergunta: ‘E quem foi este Engels?’.O livro responde satisfatoriamente. Mas, para resumir, podemos dizer que foi uma figura curiosa, um sujeito que defendia os trabalhadores e os pobres, mas era muito rico. E na condição de muito rico, um capitalista endinheirado, durante quase quarenta anos financiou o amigo Karl Marx em suas pesquisas sociais para acabar com o capitalismo e com capitalistas endinheirados como ele. Além de um grande paradoxo, pode parecer que não é nada. Mas a grande verdade histórica é que Karl Marx, com o financiamento a fundo perdido de Friedrich Engels, pode se dedicar a estudar a melhor forma de acabar com o capitalismo, elegendo um sistema mundial de poder sob controle dos operários, sem que ele, Marx, tivesse a necessidade de bater ponto em nenhuma fábrica, escritório e tampouco enfrentar o mau humor de nenhum patrão ou chefe. Sem correr o risco de ficar desempregado ou de ver a sua empresa de repente migrar de plataforma para outra que ele nem sabia onde ficava e como aquilo ia funcionar. Marx era sortudo? Necas. Ele apenas teve um grande financiador que se chamava Friedrich Engels. E não fosse Engels, dá para cravar sem medo de errar, não haveria marxismo. Pelo menos como viemos a conhecer. Engels cuidou das filhas de Marx, aguentou os faniquitos do amigo, botou grana num projeto sem a menor perspectiva de retorno financeiro. Isto se chama mecenas. Enquanto o amigo tentava destruir o capitalismo, Engels se divertia caçando raposas (não é metáfora, eram raposas mesmo), era membro da Bolsa de Valores, bebia muito, gostava de mulheres e elas gostavam dele, gostava de uma salada de lagosta, cerveja, um Château Margaux 1848 e mulheres, de novo. Aí, quando estava com quase cinquenta anos, em vez de se aposentar depois de trabalhar vinte anos na empresa da família como grande magnata da indústria têxtil, Engels foi fazer revolução com o amigo. Ou, na interpretação de outros capitalistas, ele foi bagunçar o coreto com a ralé, em vez de ir para um clube de Londres jogar xadrez. Claro que descrevendo a coisa deste jeito, dá a impressão de que Marx era um desmiolado e Engels um capitalista querendo ver o circo pegar fogo - ou se divertindo por achar que o circo nunca pegaria fogo. Não é isso. O livro traça um panorama da vida política e social do século 19, das relações entre as ideias emergentes. Por exemplo, Marx se entusiasmou com as ideias de Charles Darwin e este viu a correlação que o primeiro queria fazer com suas descobertas como nada além de ‘uma bobagem’. Na realidade, pode-se dizer que ambos, mais Sigmund Freud foram os três grandes pensadores a influenciar a mudança de comportamento no século posterior. Talvez o grande legado de Engels, como acentua Tristram Hunt no final do livro, esteja na concepção humanista de que o homem não precisa explorar o seu semelhante para viver bem. Engels estava convencido de que a era moderna reservava para a humanidade uma convivência mais digna. E tanto ele quanto Marx tentaram provar cientificamente que isto era possível. Claro que quebraram a cara. Se o capitalismo produzia abundância e esta abundância não era distribuída igualmente entre os que a produziam, os dois concluíram que isto decorria de uma distorção do sistema capitalista, que devia ser corrigida por um outro sistema que produzisse tanto quanto ele, mas que dividisse de forma que ele não fazia. Foi assim que chegaram ao socialismo científico. Embora os regimes que no século 20 reivindicaram o legado destes dois teóricos tenham fracassado, a realidade também é que o velho capitalismo nunca deu e continua dando a menor bola para os desvalidos do planeta. No final da história, um capitalista que financia pesquisas que levem ao fim do capitalismo em nome da humanidade, é um sujeito que merece ser melhor conhecido. Para, talvez, ser seguido. Pelos seus próprios pares.

sábado, 22 de janeiro de 2011

"Jamais alguém tornou-se grande, imitando."

Samuel Johnson

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A francesinha do imperador

A francesinha do imperador
Monsieur Pierre Saisset e sua mulher Madame Clemence, com o pé de meia de suas economias, vieram tentar fortuna no Brasil. desde logo o casal francês se estabeleceu na Rua do Ouvidor; ela, com loja de modas; ele, com oficina de cabeleireiro, então, como hoje, profissões muito rendosas. Um dos negócios do francês era muito promissor: modas e papéis pintados. A casa era na Rua do Ouvidor, 98, frente da Rua Nova, sob a firma de Bernardo Wallenstein & Companhia. o “Companhia” dizia respeito aos Saissets. Mas a riqueza almejada não caía tão depressa do céu como o maná do deserto bíblico. Um dia, Pedro I viu em São Cristóvão a formosa madame Clemence Saisset, que fora levar encomendas das senhoras palacianas e ajeitar penteados para uma festa. Achar bonita a francesinha, cobiçá- la e conquistá- la, tudo isso foi para o imperador cousa de nada e para a francesa... maná do deserto. Ademais, era uma francesa do Rio, e estas eram, segundo o sábio JacQuemont, umas “amáveis raparigas”. Madame Saisset, porém, não preveniu o marido. Apaixonado, sua majestade perdeu a compostura do cargo e não querendo ser um romeu ao luar, visitou a namorada, à noitinha, em sua própria casa. para afastar o marido, mandou- o chamar ao paço, dando ordem ao camareiro- mor que não o deixasse sair enquanto ele, imperador, não voltasse. O elegante Saisset foi a S. Cristóvão, porém, anoitecera e desconfiado da grande insistência do camareiro que procurava retê- lo, suspeitou de qualquer coisa e saiu à francesa. Pedro I jantara com Madame Saisset e, esquecendo- se da pragmática e do marido que deveria estar no paço, desapertou a fardeta, com que estava vestido, descalçou as botas por causa dos calos, e como as cadeiras não fossem muito macias, com a devida licença, recostou- se no lindo leito que fronteava a sala de jantar. tudo isso “inocentemente”, já se vê. É
claro que o cronista antigo, de quem tiramos o relato, envenena o episódio, pintandoo com outras cores... mais “realistas”. É que o protagonista era “real” em todas as acepções do vocábulo. de repente, surgiu, esbaforido, o dono da casa, clamando, faminto e cansado, pela sua querida Clemence. Reboliço e arranjos... o imperador quis saltar a janela. deteve- o rapidamente a modista. Aquilo seria um grande escândalo. Com a graça e inteligência gálica que lhe era peculiar, rasgou a camisa de dormir, com ela amarrando, em várias dobras, a perna direita do imperador. Trocaram algumas palavras para a comédia. ela se vestiu ligeiramente, e abriu a porta do quarto.
Seu marido, na cozinha, empunhava um quarto de frango assado, e com ele se reconstituía. e Clemence, compungida, explicou ao pacífico e razoável marido: - Que ali perto sucedera um desastre: sua majestade o imperador, não podendo refrear os corcovos do seu cavalo, caíra redondamente, torcendo
o joelho direito.Ela, aflita, correra a auxiliá- lo e com alguns transeuntes, o recolheram. ali estava ele, desapertado, na cama, sem poder andar. o médico fora chamado e tardava...Saisset, jogando fora os restos de frango, irrompeu, aflito, pelo quarto a dentro, topando com o monarca, recostado no leito do casal. depois, em desabalada corrida, procurou o cirurgião do paço e trouxe- o. o médico entrou. D. Pedro mandou fechar a porta do quarto e ficou com o esculápio para o curativo. minutos após, o doutor saía, risonho. Saisset, apreensivo, interpelou: - coisa de cuidados sérios, Sr. doutor ? Respondeu o cirurgião: - Que fora nada. apenas engorgitamento dum músculo da perna. lavagens quentes e fricções repetidas curariam aquilo em pouco tempo. porém seria prudente que sua majestade ficasse ali durante a noite. na manhã seguinte o imperador estaria bom e o referido músculo descongestionado. E partiu. o francês Saisset entrou no quarto, e, cheio de mesuras, ofereceu- se para ir buscar a carruagem do paço, porém, achava prudente que sua majestade não fizesse movimentos, pois, como dizia a madame, poderia isso agravar o seu estado. - Ademais, obtemperou a esposa, a imperatriz, a essa hora, recebendo sua majestade assim, sem poder andar, poderia assustar- se. um recado em nome do imperador comunicaria que sua majestade fora passar a noite na Quinta de Santa Cruz.E assim se fez. nessa noite, conta com muita graça um cronista daquele tempo, o respeitável lojista da rua do ouvidor dormiu no quarto da criada, enquanto a sua “virtuosa” esposa, Madame Clemence Saisset, cuidava, como “enfermeira”, do imperial doente. em verdade, o cirurgião- mór do paço acertara com o diagnóstico: aquilo não passara de uma inflamação passageira do nervo da perna. mas a boa enfermeira, carinhosa e sabida nos cuidados domésticos, dos quais é
parte principal a arte de curar, não fechou os olhos durante à noite, sempre atenciosa e cheia de carinhos para com o enfermo. o caso é que, no dia seguinte, o nervo da perna de Pedro I estava descongestionado,
graças à habilidade genuinamente francesa da gentil e bela enfermeira. essa hospedagem e a acertada terapêutica da francesa, foi a sorte grande para o casal Saisset. Pedro I foi gratíssimo. comprou e deu- lhe a casa em que moravam; condecorou- os; batizou por procuração o primogênito da madame, nascido em Paris, depois do incidente. mais tarde, aberto o testamento da majestade bragantina, nele havia esta cláusula: uma boa dádiva em pecúnia ao seu “afilhado” Pedro de Alcântara, primogênito dos Comendadores Saisset.
Francisco Gomes da Silva, por alcunha “O Chalaça”, que de aprendiz de ourives e barbeiro se fizera embaixador e conselheiro, quis, na velhice, escrever as suas memórias. contratou para isso um jovem de talento, que mais tarde seria o Visconde de Almeida Garret, e deu- lhe a incumbência
do livro. daí as “memórias” publicadas por ele. nelas se conta qualquer coisa. aliás, em 1838, escrevia ele ao Marquês de Itanhaém, referindo-se aos bens de Pedro I, do qual fora inventariante D. Amélia:
- “das outras partes a metade da terça, uma pertence ao filho de Mr. e Madame Saisset de Paris, que estão ansiosos para receberem a sua parte”. era a gratidão do Imperador do Brasil que ainda se manifestava à
devotada enfermeira francesa: “bendita queda!” diria com os seus botões de ouro o nédio Comendador
Saisset. “saudosos tempos!” murmuraria, suspirando, a senhora comendadora, ex- modista francesa da Rua do Ouvidor. e ambos tinham razão... a história da queda fora bem arranjada e a terapêutica da francesinha bem recompensada...

Felino creosotado

Felino creosotado
Esguio, ligeiro, vagabundo, noturno
De hábitos e olhos felinos,
Predador, miados afiados, soturnos,
Sombra deslizante, olfato dos mais finos
Gabola, sem perder o andar,
Destemido, sem medir lugar,
Inconseqüente, sem limites
Hoje tosse com bronquite!