terça-feira, 26 de abril de 2011

Língua portuguesa, estrangeirismo na escrita

Assembleia Legislativa do RS aprova PL que proíbe estrangeirismo na escrita
Assembleia gaúcha aprova PL 156/09 (v. abaixo) que institui obrigatoriedade da tradução de expressões estrangeiras para a língua portuguesa em todo "documento, material informativo, propaganda, publicidade ou meio de comunicação" no âmbito do Estado do RS, sempre que houver em nosso idioma palavra ou expressão equivalente.
Projeto de Lei nº 156 /2009
Deputado(a) Raul Carrion
Institui a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a língua portuguesa, sempre que houver em nosso idioma palavra ou expressão equivalente, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências.
Art. 1º Institui a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a língua portuguesa, em todo documento, material informativo, propaganda, publicidade ou meio de comunicação através da palavra escrita no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, sempre que houver em nosso idioma palavra ou expressão equivalente.
§ 1º – Nos casos excepcionais, em que não houver na língua portuguesa palavra ou expressão equivalente, o significado ou tradução da palavra ou expressão estrangeira deverá estar escrito, com o mesmo destaque, subseqüentemente a sua utilização no texto.
§ 2º - A tradução a que se refere o caput deste artigo deve ser do mesmo tamanho que as palavras em outro idioma expostas no documento, material informativo, propaganda, publicidade ou meio de comunicação em questão.
Art. 2º Todos os órgãos, instituições, empresas e fundações públicas deverão priorizar na redação de seus documentos oficiais, sítios virtuais, materiais de propaganda e publicidade, ou qualquer outra forma de relação institucional através da palavra escrita, a utilização da língua portuguesa, nos termos desta lei.
Art. 3º Esta Lei poderá ser regulamentada para garantir sua execução e fiscalização e para definir as sanções administrativas a serem aplicadas àquele, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que descumprir qualquer disposição desta lei
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Porto Alegre, 03 de agosto de 2009.
Deputado(a) Raul Carrion



domingo, 24 de abril de 2011

Bom Retiro

A Luz – bairro em que se instalou o primeiro jardim público da capital - foi decisiva para o crescimento do Bom Retiro, que conheceu o progresso a partir da inauguração da estação ferroviária. Vivia no Bom Retiro uma grande colônia de italianos e portugueses. Eram os famosos “carcamanos”. A origem desse termo é interessante. Contam as más línguas que os vendedores italianos, ao pesarem qualquer mercadoria a que faltavam algumas gramas, ouviam da mama a observação: “Calça la mano, figlio mio”.
Na década de 1880 fez-se o loteamento e a urbanização do bairro do Bom Retiro, processados pelo empresário Manfredo Meyer.
O nome do Bom Retiro surgiu porque o local era procurado por pessoas para o “retiro” de fim de semana.
A partir do final dos anos 30 vieram os judeus fugidos da perseguição nazista. Sua chegada no bairro acentuou-se nos anos duros da Segunda Guerra – 1939 a 1945. Foram eles os responsáveis pelo grande progresso do bairro. Os judeus se tornaram pioneiros na venda em prestações, que deu grande impulso ao comércio da região, principalmente nas ruas José Paulino, da Graça e Barra do Tibagi.
Nos anos 70 os judeus começaram a dar lugar aos coreanos, que assumiram o ramo de confecções. Os coreanos também estão introduzindo e impondo o paladar de suas comidas típicas.
Dia do Bairro: 1º de outubro
Fonte: Subprefeitura Sé; Bairros paulistanos de A a Z – de Levino Ponciano

Alto de Pinheiros

O Alto de Pinheiros surgiu como um loteamento da Cia. City, iniciado em 1925.
Contudo, tendo a Light and Power Co. recebido por lei estadual, a concessão
para retificar e alargar o Rio Pinheiros, provocou um retardamento na sua implantação e somente em 1937 foi recomeçado o arruamento, aproveitando as vantagens dessa obra.
Quando a Lei do Marquês de Pombal expulsou os Jesuítas em 1770, suas terras que haviam sido leiloadas, deram origens a chácaras e sítios, de particulares.
Estas foram adquiridas pela Cia. City em 1913 e estavam desocupadas
em vista de estarem sujeitas às enchentes periódicas do Rio Pinheiros.
O projeto do novo bairro aproveitou as experiências bem sucedidas dos bairros-
jardins já implantados pela Cia. City: Jardim América e Pacaembu. Com respeitáveis curvas de níveis, um dimensionamento generoso do sistema viário e hábil distribuição de áreas livres (praças, canteiros centrais nas avenidas e calçadas verdes) surgiu o bairro Alto de Pinheiros, no distrito de Alto de Pinheiros, constituindo-se em área residencial das classes média e alta da sociedade paulistana. A sua avenida principal, com canteiro central de largura superior às das pistas de rolamento, é hoje denominada Avenida Pedroso de Moraes, onde se destaca o grande corredor comercial formado por lojas de automóveis, supermercados e empresas de engenharia. Com a Praça Pan-Americana e sua rotatória de grandes dimensões localizada no centro do bairro, que distribui as largas avenidas em suas diagonais, o Alto de Pinheiros, constitui até hoje um exemplo dos mais representativos do urbanismo europeu.
Fonte: Subprefeitura Pinheiros



CONFORME PETROBRÁS FATOS E DADOS:
http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2011/04/07/preco-da-gasolina-mitos-e-verdades/
Adilson_linhares-ES disse:
13 de abril de 2011 às 06:46



Esta é a comparação que alguns estão fazendo.
Aqui uma tabela cobrada à população por litro
Brasil R$ 2,73

Chile R$ 2,23
EEUU R$ 1,97

Paraguai R$ 1,82

Colômbia R$ 1,72

El Salvador R$ 1,60

Argentina R$ 1,53

México R$ 1,12

Bolívia R$ 0,83

Equador R$ 0,60
Venezuela R$ 0,04

PELOS PELA HORA DA MORTE

SE A BARBA DO WAGNER (GOVERNADOR DA BAHIA) VALE R$ 500 MIL QUANTO VALE O BIGODE DO (SENADOR JOSÉ) SARNEY?

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Adeus, jornalismo velho

01/04/2008
Marcos Sá Corrêa
Adeus, jornalismo velho
Pelo bom humor constante, a impressão é de que Marcos Sá Corrêa acaba de voltar de um feriadão nas montanhas de Itatiaia. Nada parecido com o protótipo do jornalista estressado, fumante, buscando brechas em tempos de ditadura. Ele já foi tudo isso. No auge da repressão, produziu um furo de reportagem ao revelar para o país o que fora a Operação Brother Sam: em 1964, os Estados Unidos estavam de prontidão para invadir o Brasil se houvesse resistência ao golpe. Segundo ele, a descoberta foi pura casualidade. Também foi por acaso que sua primeira foto, ainda como estagiário, ganhou a capa do jornal.
Acredite você no acaso ou, se preferir, no faro aguçado, o fato é que as andanças de Marcos costumam indicar bons caminhos. Há quase dez anos, deixou para trás o jornalismo tradicional para apostar na Internet: criou o site de notícias No. (depois Nomínimo), que em sua curta vida tornou-se um dos mais importantes do país, e outro, pioneiro em jornalismo ambiental (O Eco). Hoje envolvido em mais um projeto inovador — a Piauí — Marcos fala à Revista de História da Biblioteca Nacional (que ajudou a conceber e da qual é conselheiro) sobre as transformações da imprensa, diz que historiador tem que aprender a escrever e explica por que o país está desperdiçando uma revolução tecnológica como não se vê desde Gutenberg.
“Estamos sentados na praia de um tsunami, achando tudo tranqüilo porque a maré está baixa”, profetiza o tranqüilo ex-fumante, sem tirar o sorriso do rosto. Ao que parece, ele está pronto para surfar.
REVISTA DE HISTÓRIA Você é formado em História?
MARCOS SÁ CORRÊA Graduei-me em História, mas fiz o curso “nas coxas”, nem fui pegar o diploma. O que me levou para a faculdade foi o fato de que minha namorada estudava no Colégio Santa Úrsula. Por conta disso, acabei fazendo a Faculdade Santa Úrsula. Estou casado com ela até hoje. O outro ponto é que, mal saí do colégio, comecei a escorregar para dentro do jornalismo.
RH Como foi isso?
MSC Jamais cogitei ser jornalista. Queria ser fotógrafo desde menino, tinha começado a publicar algumas coisas. Um dia, fiz uma reportagem sobre Guignard por conta própria. Fotografei, escrevi e fui oferecer à revista Manchete, com a maior cara-de-pau. E a revista comprou! Achei aquilo uma facilidade interessante. “É o que eu vou fazer daqui para a frente”. Então fui trabalhar como estagiário de fotografia no Jornal do Brasil. No primeiro dia, me deram uma pauta cretina, para fotografar um senador que viria ao Rio. Daquelas fotos que não teriam utilidade nenhuma. Saí com minha maquininha velha do jornal, fui ao Senadinho, mas o senador não apareceu. Eu voltava do meu primeiro dia de trabalho sem uma foto. Quando passei pela Praça Marechal Floriano, vi uma feira de livros, e naquela hora estava começando uma tempestade. Entrou uma ventania e os livros começaram a voar. Um livreiro tentava agarrar os livros, que adejavam na frente dele como borboletas. Bati umas quatro fotos meio por brincadeira, sem saber se serviriam para alguma coisa. Quando abri o jornal no dia seguinte, tomei um susto. Estava lá na primeira página. Assinada com meu nome errado: “Marcos Villas-Bôas”. Foi a maior frustração, porque eu não sou Villas-Bôas, Villas-Bôas é o meu pai. Como ele era conhecido, saiu com esse nome.
RH De lá você foi para a equipe que criou a Veja?
MSC Fui, mais uma vez por equívoco. Passei no concurso achando que ela seria feita nos moldes da única revista importante da Editora Abril, a Realidade, que dava enorme importância à fotografia. Aí descobri que estava sendo incorporado a uma revista que não dava, na época, quase nenhuma fotografia. Mas o salário era tentador. Sou um cretino que entrou para o jornalismo porque pagavam bem.
RH Como você descobriu a Operação Brother Sam?
MSC Da maneira mais acidental possível. Estava no Jornal do Brasil como repórter especial depois de passar quase uma década na Veja, onde fui editor. Era 1975, estávamos no governo Geisel e eu freqüentava, junto com o Elio Gaspari, a casa de um depositário de papéis importantes do começo do regime, o almirante Paulo Castello Branco, filho do marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Ele tinha uns armários cheios de documentos de 1963, que foram pesquisados por dezenas de historiadores. O Castello Branco era do período letrado do regime militar. Gostava de escrever, tinha papéis da conspiração, e o filho abria aquilo sem nenhuma restrição. Você ia lá, metia a mão e encontrava providências sobre a tortura, coisas que não estavam em nenhum outro acervo oficial. Em uma dessas ocasiões, o Paulo comentou que, semanas antes, um brasilianista da Universidade do Texas chamado John Dulles, filho do Foster Dulles, passou por lá e disse que documentos importantes sobre o período de 1964 começavam a ser liberados na biblioteca presidencial do Lyndon Johnson. Isso foi em meados do ano. Passada a correria inútil da cobertura da eleição municipal, o Elio se lembrou: “Vamos ver aquilo?” E fui parar em Austin.
RH Como foi o processo de pesquisa?
MSC O começo foi desnorteante, quase “O que eu vim fazer aqui?” Mas o nome em código da operação militar me ajudou: Brother Sam. Na quarta ou na quinta vez que aquele nome passou na minha frente, em papéis esparsos, percebi que sempre vinha marcado com uma tarja azul. Eram telegramas internos do governo, e, seguindo a tarja azul, foi fácil voltar na papelada e ficar puxando. Se não fosse isso, não conseguiria reconstituir o caso, criar um sentido.
RH Era um volume muito grande de documentos?
MSC Era; tirei umas duzentas, trezentas cópias. Para piorar, tive que acelerar o trabalho dramaticamente por um motivo que hoje me parece estúpido: eu tinha passagem de volta marcada e precisava acabar aquilo em uma semana. Pegava os papéis e olhava correndo, via que alguma coisa fazia sentido, mandava xerocar, e só vim a ler depois, no avião, já voltando.
RH Ficou com medo de ser perseguido?
MSC Quando vi que tinha topado com uma coisa bombástica, comecei a ter conversas cifradas por telefone com o Elio, e ele deduziu que vinha ali um negócio grande. Instruiu-me a não sair de Nova York sem tirar cópia de todas as cópias, para não correr o risco de pegarem os documentos no aeroporto. Tirei e deixei na casa da correspondente do Jornal do Brasil em Nova York, sem dizer o que era. Mas desembarquei no Brasil sem problemas, e fui direto para o JB. O Elio me levou ao editor do jornal, que era o Walter Fontoura. Expliquei o que era e ele me disse: “Olha, melhor você falar com o Nascimento Brito”. Era o dono do JB. Eu nunca tinha visto o doutor Brito naquele tempo. Ele me perguntou: “Você roubou esses papéis?”. Eu disse “não”, e contei resumidamente como tinha obtido aquilo. “Então, pode dar”. Aí, montou-se uma força-tarefa dentro do jornal para produzir todo o conteúdo em quatro dias. Fechamos a edição com aquela sensação de que ia ser apreendida. Eu e o Elio fomos jantar de madrugada, depois passamos no jornal para pegar alguns exemplares, porque, se fosse apreendido tudo, a gente teria alguns.
RH E houve algum tipo de censura?
MSC Nada. Do mundo oficial não ouvi uma palavra. Mas, de qualquer forma, aquilo espirrava para todos os lados. Uma das pessoas que mais se queixaram comigo foi o Tancredo Neves, porque tinha umas fichas da CIA dizendo quem era quem no Brasil, e publicamos tudo. O Tancredo ligou dizendo “Você acabou comigo”, porque a ficha dele dizia que era desonesto. Eu me dava com o Tancredo. Ele ficou magoado e dizia: “Mas como é que você publica um negócio que diz que eu sou desonesto?” E eu respondia: “Como eu vou censurar a CIA?” (risos).
RH O jornal vendeu bem?
MSC Aquelas edições se esgotaram todas. No Rio Grande do Sul, acabou tão rápido que tinha camelô que vendia cópia do JB na rua. Depois a L&PM publicou em livro.
RH Não tinha censor nas redações?
MSC Tinha pouco censor interno. Uma das coisas que me fizeram sair da Veja foi que tinha censor, e era um inferno. Você tinha que passar a noite escrevendo e a manhã esperando o censor ler. Tive vários fechamentos de setenta horas sem sair da redação. E só no fim daquela década, quando voltei para a Veja, entendi qual era a lógica do censor. Ele detinha informações que a gente não sabia. A gente tateava. Tinha lá suas arbitrariedades, mas, no essencial, perseguia duas informações: notícia de tortura e notícia de qualquer agitação militar que pudesse influir em sucessão presidencial.
RH O que mais mudou na imprensa brasileira desde os anos 1960?
MSC Uma das mudanças que mais me chamaram a atenção é a ausência da pessoa que já foi, em outras épocas, a mais indispensável: o teletipista. Uma redação podia funcionar sem o diretor, sem o repórter, sem o fotógrafo, mas se o teletipista ficasse doente, era um caos. É engraçado: um dia você acorda e não existe mais.
RH Antigamente se escrevia melhor nos jornais?
MSC Não é a minha sensação. Chefiei redações onde havia analfabeto funcional. Estou falando de meados dos anos 80 e até 90. O sujeito sabia dizer o que tinha visto, mas não sabia pôr no papel em mais de cinco linhas, e olhe lá. Eu fui daquela geração que desprezou o diploma obrigatório para jornalista. Até me dar conta de que a qualidade média do jornalista na redação tinha melhorado absurdamente com a exigência do diploma.
RH As condições de trabalho mudaram muito?
MSC Quando comecei, jornalismo era um emprego de verdade, com carteira assinada, uma carreira estabelecida e previsível. Hoje, o jornalismo brasileiro está voltando a ser um subemprego. Os contratos profissionais deixaram de ser contratos profissionais. Tudo isso é uma desmoralização da profissão numa época em que ela está tecnicamente mais equipada.
RH E quanto às possibilidades da comunicação?
MSC Uma das pragas do jornalismo era aquela sensação permanente de leviandade, determinada pela taxa de compressão. Porque você trabalha com informação, tem que pegar tudo e espremer em um espaço limitado. Na Internet, eu posso dar uma nota de três linhas que, através de um link, contém uma informação de dez milhões de páginas. Outro ponto que me fascinou é que nela os fatos jornalísticos nunca estão consumados, eles continuam acontecendo. Quando você escreve uma coisa e alguém te avisa que fez besteira, você ganha uma informação a mais, instantânea, que pode ser publicada. Hoje, acho o jornal uma velharia. Todos os jornais em papel vão morrer nos próximos vinte anos, no máximo, e já vão tarde. Eles são a pior maneira de se divulgar notícia. “Jornalismo” vai virar um anacronismo. É uma palavra que se baseia no nome de um produto que, fisicamente, terá deixado de existir. Estamos sentados na praia de um tsunami, achando tudo tranqüilo porque a maré está baixa...
RH À beira de uma revolução?
MSC Se você pensar bem, já está acontecendo um fenômeno comparável aos primórdios da imprensa. Todo mundo sabe o impacto avassalador que teve a invenção do tipo móvel. O mundo moderno foi criado por Gutenberg. O desenho da Europa moderna é, em grande parte, determinado pelo efeito da transformação de dialetos não-literários em língua escrita. A Itália, hoje, continua sendo um negócio onde se fala mais de cem dialetos, mas é um país que se formou porque Dante criou uma língua escrita: transformou em italiano o que era, na época, o dialeto florentino. Quando aquele povo todo passou a ter uma língua, criou-se uma Itália que nunca tinha parecido natural. Antes, a escrita era feita para guardar informação. Esses evangélicos de terninho, com a Bíblia debaixo do sovaco, nem sabem que são filhos do Gutenberg. A revolução protestante deve muito ao tipo móvel. Se a palavra de Deus estava num livro e o livro podia ser replicado de maneira cada vez mais barata, você não precisava de uma Cúria, não precisava de Roma: a palavra podia ser distribuída. A mudança que houve no mundo depois de Gutenberg ainda não foi sequer longinquamente imitada pelo impacto do computador. Portanto, tem que acontecer.
RH De que maneira?
MSC O computador e a Internet acabam com o intermediário da multiplicação de informação, que sempre foi um produto da revolução industrial. Você tinha que ter alguma máquina de replicação para que um texto virasse dez mil ou cem mil. O tamanho desse alcance era dado pela potência de saída da sua máquina. É assim na imprensa escrita, no rádio, na televisão. Esses três meios dependem de uma empresa jornalística poderosa para terem maior alcance. Na Internet, quem decide o alcance de uma notícia é quem vai ler. Se você tiver um notebook aqui e agora, ligado na Internet, e escrever uma coisa que o mundo inteiro esteja precisando desesperadamente saber, não há nenhuma diferença no alcance dessa notícia e da mesma notícia publicada pelo Globo. A Internet chega a vinte e dois milhões de domicílios no Brasil, e olha que somos retardatários nisso. Mesmo assim, a soma de casas com Internet já é três vezes maior que a soma de todos os jornais diários publicados no Brasil. Grandes, pequenos, médios, regionais, locais, nacionais... Todos eles juntos têm sete milhões de exemplares.
RH Essas possibilidades tecnológicas ainda são subaproveitadas?
MSC Nos anos 1990, quando isso tudo estava se processando de maneira muito rápida, o jornalismo brasileiro tomou o caminho de deixar de cobrir o Brasil na sua real complexidade. Os jornais encolheram da borda para o centro. O número de empregos desaparecendo em redações, na virada do milênio, era uma coisa espantosa. E começam sempre a enxugar pelas sucursais. É muito melhor demitir um correspondente do Acre, que você nunca viu, do que um sujeito que trabalha na mesa ao lado. Este é um dos motivos da crise atual, da infinita desimportância e chatura dos jornais brasileiros. Hoje, as grandes revistas de informação e os jornais todos são feitos, cada vez mais, em uma só redação, com o aporte de notícias de Brasília. É um desperdício, porque Brasília não é mais produtora de notícia.
RH Não?
MSC Você pode cobrir Brasília com três notícias por ano. O resto é cascata. No fim de semana passado, o Lula veio ao Rio para lançar dois projetos de reurbanização de favela. Um evento estritamente publicitário. Nos bons tempos, você mal cobria. Ia lá para ver se o presidente levou um tiro, e saía uma nota. Quem se criou no regime militar, que gostava muito de publicidade, aprendeu a se vacinar contra coisas feitas só para produzir notícia a favor. Agora, o Lula vem aqui, não acontece nada, e os jornais dão quatro páginas sobre um assunto feito só para dar publicidade. Não tem nada ali que alguém precise saber.
RH E está no jornal todo dia.
MSC Virou a regra. E uma regra tão bem estabelecida que o Brasil já teve três tipos diferentes de presidentes cuja maior habilidade é manipular a notícia. O que era o Collor? O Lula é isso. O Itamar foi isso. Eles geram uma quantidade enorme de cobertura com a falta de notícia. Brasília perdeu importância decisiva no cotidiano do brasileiro lá se vão mais de trinta anos. Você acompanhava Brasília porque qualquer decisão do Delfim Netto podia mudar, no dia seguinte, aquilo que acontecia na sua casa. Deixou de ser assim. Pela primeira vez em nossa história, o país descentralizou-se. E foi justamente no momento em que chegavam os computadores e a Internet nas redações.
RH Como ficam os textos históricos no meio de tudo isso?
MSC A historiografia brasileira estava muito refém do meio acadêmico, que tende a reproduzir, ainda hoje, o mundo intelectual da Idade Média, no qual se escrevia numa linguagem inacessível à rua, o latim. Ao mesmo tempo, a principal característica da informação no Brasil de hoje é a pulverização dos segmentos de leitura. Não existe mais a informação única que interessa a todos. Cada um tende a seguir seu próprio gosto. Quem gosta de criar buldogue procura uma publicação especializada na criação de buldogue. As revistas de História tendem para isso. Cria-se uma demanda para o historiador parar de escrever no “latinório” do meio acadêmico. Ele tem que aprender a escrever em língua de gente. E, cá entre nós, os grandes historiadores escrevem bem. É raro um historiador realmente importante que não tivesse um texto à altura do que ele queria mostrar.
RH Tem alguma receita para se aprender a escrever bem?
MSC Toda faculdade de Comunicação deveria ter uma cadeira chamada Euclides da Cunha. No primeiro período, ler Os Sertões. No segundo, ler Os Sertões. No terceiro, ler Os Sertões. No quarto, ler a primeira parte de Os Sertões, que é uma chatice. No último período, para não pegar vícios, aprender a não escrever daquele jeito. Ele escrevia de uma maneira chatíssima, mas é um dos livros mais fundamentais da História do Brasil, produzido por um escritor atuando como jornalista, enviado pelo Estado de S. Paulo a Canudos. Era o assunto do momento, discutido no Rio de Janeiro à luz de suposições e informes mentirosos. O sujeito foi lá, apurou e produziu um livro que é impactante um século depois. Até por ensinar que a informação que importa não está no gabinete. Juro que não estou fazendo piada: se alguém poderia fazer uma revolução no jornalismo brasileiro hoje, seria Euclides da Cunha.
RH Mesmo escrevendo mal.
MSC Mesmo assim. Os Sertões começa chato, é preciso passar por aquela maçaroca inicial, mas quando você chega na guerra, o texto começa até a ficar melhor. E aí é um relato espantosamente atual. O que ele escreve sobre meio ambiente dá para publicar hoje. O que ele diz sobre o Vale do Paraíba, sobre a Amazônia, não precisa mudar nada. O sujeito que leu Os Sertões direito e aprendeu a não escrever daquele jeito fez um curso de Jornalismo. Até como ética.
Obras do Autor:
Salada Verde (UniverCidade Editora, 2003)
O Burocrossauro (Nórdica, 1983)
1964 visto e comentado pela Casa Branca (L&PM, 1977)
Itatiaia: O caminho das pedras (Metalivros, 2003)
Verbetes:
Alberto da Veiga Guignard (1896-1962)
Pintor brasileiro, conhecido principalmente por suas paisagens mineiras, teve sua formação na Europa, onde viveu até os 33 anos. De volta ao Brasil, tornou-se um artista completo e organizou uma escola de artes em BH, a convite do prefeito Juscelino Kubitschek.
Operação Brother Sam
Operação montada pelo governo dos EUA em 1964, destinada a apoiar o golpe no Brasil, caso houvesse algum imprevisto ou uma reação dos militares que apoiavam Jango. Era formada pelas forças da frota do Caribe, liderada por um porta-aviões da classe Forrestal, da Marinha americana.
John Foster Dulles (1888-1954)
Secretário de Estado americano de 1953 a 1959, durante a presidência de Dwight Eisenhower, foi figura de destaque na luta contra o comunismo no mundo, apoiando-se muitas vezes na CIA, dirigida na época pelo irmão Allen Welsh.
Lyndon Baines Johnson (1908-1973)
Foi o trigésimo sexto presidente dos EUA, assumindo o cargo em 1963, quando John Kennedy, do qual era vice, foi assassinado. Reeleito no ano seguinte, governou o país até 1969. Foi em seu governo que os EUA entraram totalmente na guerra do Vietnã.



domingo, 17 de abril de 2011

 "As palavras são, naturalmente, a droga mais poderosa usada pela humanidade." Rudyard Kipling






Bullying: registro em cartório vira prova judicial

16 de abril de 2011
LUÍSA ALCALDE JT
Pais passaram a registrar em cartório ofensas sofridas pelos filhos vítimas de cyberbullying (ofensas pela internet). O documento é usado para provar agressões virtuais em processos movidos contra autores mesmo que as mensagens venham a ser posteriormente retiradas das redes sociais.
No 26º Cartório de Notas da Praça João Mendes, o mais movimentado da capital, no centro, foram registrados sete desses documentos nos últimos seis meses. Chamados de atas notariais, são uma espécie de escritura pública que retrata fatos ocorridos no cotidiano. Todos os casos relatados envolviam jovens em idade escolar e colegas do mesmo colégio.
Segundo Felipe Leonardo Rodrigues, tabelião substituto, a prática tem ocorrido nos demais registros de notas da cidade. “Como a procura é crescente, elaboramos uma manual para o setor seguir a metodologia”, explica.
“A ata dá fé pública. É um retrato jurídico de que aquele fato realmente existiu e serve como força probatória em ações judiciais”, afirma Rodrigues.
Uma cópia tirada da internet funciona como indício e não como prova em um processo. E pode ser contestada pela defesa do acusado que pode alegar que o material foi montado. “Consegue-se assim inverter o ônus da prova. Quem acusa depois é que vai ter de provar que a cópia não foi adulterada. Quando isso ocorre, na maioria das vezes, no meio das ações, as mensagens já foram retiradas do ar”, afirma o tabelião.
No caso da ata notarial, a família informa o endereço eletrônico onde as ofensas estão postadas e o funcionário do cartório entra no site e verifica que elas realmente estão na rede. Ou, se for o caso, vai à casa do interessado, acessa e-mails ou diálogos trocados por MSN, SMS ou Twitter e registra a ata no cartório, atestando a veracidade de que aqueles conteúdos realmente foram encontrados no meio virtual. Esse serviço custa, em média, R$ 278. Dependendo da complexidade fica pronto em, no máximo, um dia.
No Colégio Marista Arquidiocesano, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, em duas situações pais de alunos foram orientados pela direção a buscar meios legais para tentar identificar autores anônimos de ofensas contra seus filhos postadas na web.
“Se sabemos que isso ocorreu no Orkut ou no Facebook, os estudantes são convidados a limpar imediatamente as mensagens. Mas isso é sempre combinado com as famílias e foram casos isolados que não eram persistentes”, explica o diretor educacional do colégio, Ascânio João Sedrez.
“Não temos hackers para fazer uma investigação mais aprofundada quando o caso extrapola os limites do colégio, mas buscamos indícios além dos sites. Ouvimos os envolvidos reservadamente e pessoas próximas e, apesar de a ofensa ocorrer no meio virtual de forma reservada, o agressor faz o que faz para se tornar popular e alguém vai nos dar a dica, porque isso torna-se público entre os grupos”, afirma Sedrez.
O bullying é também tratado de forma preventiva por meio de dinâmicas em grupos desde a educação infantil onde são discutidos critérios de superação. “Funciona mais do que sermão”, explica o diretor. Quando professores percebem que uma classe está mais agressiva ou os alunos estão irrequietos, têm autonomia para tratar do tema em classe abordando o assunto sem expor a vítima ou o agressor.
“No caso dos maiores, são promovidos debates em assembleias onde há temas provocativos como, por exemplo, o respeito à convivência, que é uma boa desculpa para trazer essas questões para a sala de aula. Nossa intenção é dar vez e voz aos alunos e reforçar que todos têm o direito de ser como são.”


sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ouvindo os mortos

Médicos legistas são uma espécie rara: aos vivos, preferem os que já não podem falar, mas ainda têm muito a dizer
por Clara Becker
Passava das quatro da madrugada de sábado, 9 de outubro, quando o celular da médica-legista Gabriela Pinto tocou na sala de convívio do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto, no Centro do Rio. Era o técnico de necropsia, Alexandre Braga Pereira, de 37 anos, que interrompia o sono das plantonistas para avisar que, naquele momento, mais quatro cadáveres haviam chegado ao necrotério. No beliche ao lado de Gabriela, a segunda legista do plantão, Antonieta Campos Xavier, perguntou animada: “Tem algum baleado?”
Quem trabalha com a doutora Antonieta conhece a regra: os baleados são todos dela. Diz-se nos corredores do IML que é uma injustiça ela não constar no Guinness como recordista mundial em necropsias de baleados. Essa circunstância faz com que Antonieta trabalhe mais do que seus companheiros. Grande parte das ocorrências registradas ali é, no jargão dos legistas, de Perfuração por Armas de Fogo, ou PAFs. Dos 1 080 casos de homicídio que chegaram ao IML no primeiro semestre de 2010, 913 foram por armas de fogo, uma média de cinco baleados por dia.
Antonieta, 66 anos, é uma mulher pequena, de cabelos rebeldes e franqueza desconcertante. Para manter a forma, corre, faz musculação e bicicleta. No trabalho, costuma ser mais rápida que seus companheiros. Assim que se desembaraça de seus baleados, se apressa em ajudar os colegas. Já chegou a fazer 28 necropsias num só dia.
O IML é o desaguadouro das misérias de uma cidade violenta. Ali só chegam vítimas de mortes não naturais – assassinados, acidentados, suicidas. Em média, são autopsiados vinte corpos por dia. Às sextas-feiras, a estatística piora. “Sexta-feira é o Dia Internacional da Matança. Hoje está sendo atípico, pudemos até descansar um pouco”, disse Antonieta, referindo-se ao baixo movimento. Desde que o plantão começara, às oito da noite, até aquela hora, haviam chegado apenas oito corpos.
A estatística podia ou não merecer alguma comemoração. Às vezes, os corpos demoram a ser encontrados e os despojos das sextas sangrentas, principalmente as de sol, que estimulam o consumo de álcool, só aparecem no sábado e no domingo. Nos dias de chuva mata-se menos.
Antonieta saltou da cama e, tateando no escuro, apanhou seu uniforme dobrado sobre a cadeira. Enquanto se vestia – ela se recusa a dormir com a roupa de trabalho, ao contrário dos colegas –, definiu-se com crueza implacável: “Sou movida a defunto e Coca-Cola.” Como para justificar a brutalidade da frase, emendou: “O médico-legista não é um mortal comum. Nós somos abutres da humanidade. Não dá para ver o que a gente vê e permanecer normal.” Se já estivesse de pé, e não encolhida nos lençóis tentando espichar o sono um pouquinho mais, a colega Gabriela assentiria. Mais tarde, contaria que, na faculdade de medicina, vivia cheirando a formol. “Todo tempo livre que eu tinha, usava pra ir ao laboratório dissecar cadáveres.” Apaixonou-se pelas aulas de anatomia e descobriu sua vocação para legista. Em casa, inventava para os pais que ia acompanhar partos com um professor obstetra quando, na verdade, seguia para o IML na companhia de um professor de medicina legal.
Certa vez, no laboratório da faculdade, Gabriela recebeu o corpo de um homem cujo olho saltado só estava preso à órbita por um feixe de nervos e músculos. Na época, ela namorava um rapaz que pensava em ser oftalmologista. Querendo agradá-lo, deu-lhe de presente um vidrinho de formol com o olho dentro. O namorado achou o gesto de mau gosto e Gabriela ficou com o olho para si. Juntou-o a sua coleção de ossos. Ao casar, teve de se desfazer de tudo. O marido não gostou da ideia de conviver com esqueletos e olhos.
Gabriela tem 36 anos e trabalha há oito no IML. Ela é baixa, magra, com músculos bem torneados. Os cabelos lisos chegam quase à cintura. Naquela madrugada, usava um uniforme verde da Rede D’Or, onde também trabalha, brincos de pérola e duas correntes de ouro: uma com a estrela de Davi, e outra com um pingente onde se lê o nome do filho de 5 anos, Miguel. É ortopedista, como o pai, com quem divide um consultório particular. Não abriu mão, no entanto, de exercer a medicina legal. A decisão não agradou à família, principalmente ao pai, que considera o ambiente de trabalho degradante e não entende o que a filha vê “na porra do IML”. Gabriela tem uma explicação: ali encontrou um modo de dar vazão a seu sentimento moral. A medicina legal lhe dá a possibilidade de condenar culpados e absolver inocentes. Gabriela busca compreender o que os mortos dizem com seus corpos mutilados.
Os legistas do estado do Rio de Janeiro ganham pouco mais de 3 500 reais por mês para se revezar em plantões de 24 horas, sistema que Antonieta julga absurdo: “Ninguém deveria passar mais de seis horas num necrotério. Isso aqui é uma máquina de fazer doidos. Só não endoideço porque já nasci louca. Não é à toa que tantos legistas ficam encostados durante meses pela psiquiatria. Desafio qualquer um a passar duas horas me vendo trabalhar aqui dentro.”
Antonieta foi a primeira a chegar à sala de necropsia. Estava bem disposta, apesar das poucas horas de sono. Vestia uma calça azul, jaleco branco, touca, sapatos cor-de-rosa e carregava uma prancheta decorada com adesivos das princesas da Disney. Eram cinco da manhã, e os dois cadáveres que haviam sido autopsiados pelas médicas quatro horas antes continuavam nas mesas de aço. A cabeça de um deles estava reduzida a duas dimensões por causa da roda que lhe passara por cima. Irritada com a displicência da equipe, Antonieta gritou: “Sala! Cadáver na mesa!” Em poucos minutos, sonolentos e com olheiras fundas, apareceram os técnicos de necropsia – responsáveis por abrir e costurar os corpos –, o coletor de vísceras para os exames laboratoriais, o digitador e um faxineiro recém-contratado. A faxineira anterior não aguentara o trabalho e pedira demissão.
Segundo o Código Penal brasileiro, todas as vítimas de morte não natural devem ser submetidas a necropsia no órgão competente. Nesses casos, os médicos não legistas são impedidos de expedir um atestado de óbito, documento imprescindível para sepultamentos, cremação e seguros de vida. Também quando o médico não sabe especificar a causa da morte, ela é considerada juridicamente suspeita e o corpo precisa ser enviado ao IML para investigação.
Antonieta contou o caso do corpo de um embaixador de Porto Rico, encontrado junto a um poste da Lapa. A família chegou acompanhada de um médico que alegava que o morto sofria de problemas cardíacos e certamente enfartara. Queriam evitar que fosse autopsiado. Compreende-se a reação: na autópsia, os cadáveres são abertos, vasculhados, suturados. É uma dessacralização do corpo que agrava a dor dos parentes. Antonieta, porém, é inflexível: “Chegou aqui, vai para mesa.” Ao abrir o corpo do embaixador viu que as costelas estavam quebradas e o baço esmagado. Era um caso de homicídio.
Na sala onde os parentes aguardam a liberação dos corpos, sofre-se de muitas maneiras, de lágrimas contidas a paroxismos de desespero. Mães arrancam os cabelos, rasgam roupas, chamam por seus filhos. Gritos de dor ecoam pelos corredores. Entre os que fazem o reconhecimento, há os que só olham de relance para o corpo, os que beijam e os que embalam a pessoa morta. Antonieta sempre evita passar pelos familiares. “Eu só falo com defuntos”, diz.
Dos quatro mortos recém-chegados, dois tinham sido baleados. Foram postos nas mesas de aço para serem autopsiados por Antonieta. “Eu gosto do trabalho detetivesco, de seguir o trajeto da bala no corpo até achá-la”, explicou. Estava diante dos corpos de dois jovens mulatos. A equipe sempre se impressiona com a capacidade de Antonieta para estimar altura e idade. A médica bateu os olhos e afirmou: “Esse aqui tem uns 17 anos e 1,75 metro. O outro, 19 anos e 1,83 metro.” Com uma régua de 2 metros, o técnico de necropsia comprovou que a legista acertara mais uma vez. Um rapaz fora encontrado na Penha; o outro, em Guadalupe, dois bairros violentos do subúrbio do Rio de Janeiro. “Em vinte anos só vai ter velho no Brasil. Os moços morrem todos”, lamentou a médica.
Enquanto o técnico Alexandre Pereira amolava a faca usada nas incisões, Antonieta registrava numa ficha presa à sua prancheta a roupa dos jovens. Escrevia cantarolando a marchinha: “No tempo que Dondon jogava no Andaraí...” Os dois mortos vestiam bermuda e blusa de times internacionais de futebol, o inglês Chelsea e o italiano Inter de Milão. “Eles quase nunca chegam com tênis. Sempre levam”, observou. Depois de despir os corpos, os técnicos lavaram a lama e o sangue com um chuveirinho acoplado à mesa. Um dos mortos tinha a barba por fazer e um nome feminino tatuado no antebraço direito. Os olhos abertos, fixos no teto, lhe davam um aspecto de vivo, impressão imediatamente desfeita quando o viraram de costas. Um tiro na cervical havia explodido a sua caixa craniana e ele não tinha cérebro. Serena, a equipe apenas registrou o fato. “Ele está sem cérebro”, disse um dos técnicos.
Ao contrário de cirurgias, em que corpos são delicadamente manuseados, no IML eles são puxados, empurrados, atirados. Não há descuido, mas necessidade. O manuseio de cadáveres enrijecidos não é fácil. Despi-los exige habilidade e força. Uma adolescente de 16 anos com um piercing no umbigo chegou vestindo um short tão apertado que a equipe ficou especulando como teria conseguido calçar a peça. Depois de várias tentativas de removê-lo, o short teve que ser cortado.
O técnico de necropsia Alexandre Pereira é grande, musculoso, de ombros largos. Ainda assim, faz muita força para descruzar os braços dos mortos. Os técnicos são responsáveis pelo trabalho pesado. Por um salário bruto de 1 535 reais eles transportam, despem, cortam e costuram os cadáveres. São considerados os alfaiates do IML. Os corpos são fechados com barbante de sisal, uma fibra biodegradável. Os pontos, dados com uma agulha grossa e comprida, distam quase um palmo um do outro, o que deixa os mortos com aparência de espantalhos. Ter o segundo grau completo é a única exigência para se candidatar para a função. No concurso que Pereira fez, em 2002, foram 43 mil inscritos para 97 vagas.
Ele tem a destreza de um cirurgião. Fez uma incisão precisa, sem desvios, da garganta até o púbis de um dos baleados. Em seguida, descolou a pele do tórax e cortou as costelas para permitir acesso ao coração e aos pulmões. Usando uma concha para tirar o excesso de sangue, removeu o coração, intacto, e deixou-o apoiado ao lado da cabeça do cadáver enquanto vasculhava as vísceras à procura dos projéteis. Enfiou o estilete onde o rapaz fora atingido para acompanhar a trajetória da bala. Antonieta fotografava tudo e assinalava as feridas na silhueta de um corpo humano reproduzida na ficha que trazia à mão. O odor fétido “de sangue coalhado” – como descreveu o faxineiro – não parecia incomodar a equipe.As balas de calibre 22 e 32 são pequenas e difíceis de encontrar. Uma delas, encravada na coluna vertebral, teve que ser retirada a golpes de martelo. Na maca ao lado, um segundo técnico serrava o crânio do outro baleado. O barulho fazia a sala parecer uma serralheria. O jovem com o crânio exposto tinha sido atingido por oito balas. O número não impressionou Antonieta. Ela já fez necropsias em cadáveres desfigurados por 109 tiros. “O ser humano é a prova cabal da inexistência de Deus. Dizem que Deus é perfeito. O perfeito, por definição, não erra. O homem é um erro, então não poderia ter sido criado por Deus”, silogizou.
Diariamente, o que Antonieta enxerga naquelas macas é o suplício e a atrocidade. Cansou de juntar pedaços de corpos esquartejados, de ver cadáveres com pés e mãos amarrados para trás, fita crepe na boca, olhos arrancados, faces descoladas. Certa vez, recebeu o corpo esfaqueado de um presidiário. Na 157ª incisão, desistiu de contar. Se há algo que não suporta é o cheiro de carne queimada dos corpos carbonizados. “Teve um menino de 18 anos, filho de policial, que foi queimado vivo em pneus. Depois os traficantes ligaram para o pai e disseram: ‘Vem buscar seu carvãozinho.’”
“Eu não concordo com essas ONGs que protegem bandidos e dizem que tudo é falta de estrutura familiar e afeto, e que a culpa é da desigualdade social. Se fosse só por fome, o bandido não precisava arrancar o coração depois de roubar uma velhinha ou quebrar o pescoço de uma criança depois de estuprá-la”, disse.
Antonieta acostumou-se com a morte e não a teme. “Não é preciso se preocupar. Ela virá.” Só lamenta não estar viva para saber se as verdades científicas do futuro confirmarão as de hoje.
Feita a perícia nos corpos dos dois baleados, Antonieta pôs-se a transmitir o laudo para o digitador que, minutos antes, dormia com a cabeça apoiada no teclado do computador. Ela não sabe e nem quer aprender a digitar. O funcionário, que estava com dor de garganta, aproveitou para consultar-se com a médica que também cuida dos vivos. Antonieta prescreveu-lhe um anti-inflamatório e continuou ditando: “O cadáver apresenta rigidez muscular generalizada com livores violáceos nas regiões posteriores do corpo.”
O laudo consiste em uma descrição detalhada do estado do cadáver. Nele constam a causa da morte, o tipo de instrumento usado ou o meio que a produziu – veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura, afogamento. Em caso de homicídios por arma de fogo, a direção dos projéteis e a distância dos tiros são cruciais para informar ao inquérito policial e dar sustentação a uma tese apresentada ao júri. Um exame cadavérico bem-feito pode esclarecer muitas questões. Várias feridas de um só lado revelam a posição da vítima ao ser golpeada. O tipo de lesão indica se o agredido teria capacidade de se deslocar após o golpe mortal. A direção da lesão pode indicar se o criminoso é canhoto. Conteúdos do estômago, bexiga, reto e presença de sêmen também são evidências importantes. Marcas de dedos denunciam se a vítima foi agarrada por mais de um agressor. Foi o caso, por exemplo, de um homossexual morto pelo namorado durante uma briga. Os advogados do réu insistiam na tese de legítima defesa. As marcas roxas encontradas no braço da vítima revelaram que uma terceira pessoa a segurara para que outra a esfaqueasse.
Juízes se baseiam nas provas descritas nos laudos para proferirem sentenças. É corriqueiro na vida de um médico-legista ser chamado para depor. Em 2002, Antonieta deu seu parecer no caso do candidato a deputado estadual pelo PDT Luiz Fernando Petra, que foi morto ao enfrentar cabos eleitorais que penduravam galhardetes de um candidato da oposição no poste em frente a sua casa. Atingiram-no com cinco tiros: três no peito, um na cabeça e um nas costas. Durante o julgamento, o réu, que alegava legítima defesa, fixou o seu olhar no dela. Antonieta não se intimidou e deu seu parecer ao juiz: “Vossa Excelência, a vítima estava deitada quando recebeu o tiro na cabeça. Além do mais, onde já se viu legítima defesa com cinco tiros?” O homem foi condenado a quinze anos de prisão pela 2ª Vara Criminal. “Eu gosto quando condenam. Fico danada da vida quando vejo bandido ir para casa.”
Não são raras as vezes que ela fica danada da vida. Lembrou-se de um dia chuvoso em que teve de depor na Ilha do Governador. Uma mulher fora achada na cozinha de casa com um tiro na cabeça. O marido era o principal suspeito e o advogado tentava convencer os jurados de que se tratava de suicídio. Alegava que o teste de pólvora na mão da morta tinha dado positivo. A legista explicou que os reagentes usados no IML não eram precisos. Detergente, batom e limão podem fazer com que o teste de pólvora dê positivo. “O tiro tinha sido dado por trás, eu achei a bala na testa. Suicidas atiram na têmpora, na boca ou no peito. Já pegou numa arma? Experimenta atirar por trás para ver se você consegue?”, disse. O marido foi inocentado. “Eu não sei como aquele advogado gordo safado conseguiu, mas prevaleceu a tese de suicídio”, afirmou, ainda indignada.
Antonieta trabalha como neurologista no hospital do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, o Iaserj, desde 1978. Já poderia ter se aposentado, mas ficou para brigar com o governador Sérgio Cabral que, segundo ela, pretende fechar o hospital. Em 1993, estava atendendo no pronto-socorro quando um amigo neurocirurgião lhe disse que havia sido aberto um concurso para medicina legal. “Nem li o edital, fiz um cursinho preparatório e passei. Quase caí para trás quando descobri que tinha virado policial.”
O Instituto Médico Legal, que era vinculado ao Ministério da Justiça, foi transferido para a Polícia Civil em 1930. Ali, teve que dividir parte dos já minguados recursos com o Instituto de Identificação Félix Pacheco e o Instituto de Criminalística Carlos Éboli, que também dão suporte às investigações policiais. Além do necrotério, há o setor dos vivos, responsável pelos exames de corpo de delito. Frank Perlini, ex-diretor do IML, diz que o instituto é uma casa de sofrimento: “Nenhum dos nossos pacientes volta ou nos dá presente de Natal.”
Antonieta não teve dificuldades em se adaptar ao necrotério. “Sou filha de cangaceiros”, brincou. Nasceu em 1944, no município de Rio do Meio, no interior da Bahia. Aprendeu desde cedo a lidar com a morte – dos seus quinze irmãos, sete morreram ainda crianças. Ela se lembra dos “defuntinhos” das irmãs que não sobreviveram às condições em que viviam na roça. Antonieta, a única menina sobrevivente, foi criada com mais sete irmãos num Nordeste masculino. Ajudava a mãe a preparar o almoço para os homens que trabalhavam na lavoura. Depenava galinhas e descarnava porcos e caças que o pai trazia: tatu, teiú e veado.
Foi semialfabetizada pela mãe, que só cursou 3 meses e 19 dias de escola – os estudos foram interrompidos porque o avô achava que as meninas só queriam aprender a escrever para mandar cartas para os namorados. Foi só aos 16 anos que Antonieta se alfabetizou de verdade. Apesar disso, formou-se médica com pós-graduação em medicina tropical pela USP e especializou-se em neurologia no Iaserj.
Foi Maria Lourdes Borges Palmeira, filha de João Borges, dono da fazenda em que os pais de Antonieta trabalhavam, quem tirou a menina chucra da barra da saia da mãe e a trouxe para o Rio de Janeiro quando tinha 16 anos. “Meu pai ficou com vergonha de dizer não à dona Lourdes e eu vim.” Seu patrão, Sinval Palmeira, casado com Maria Lourdes, a incentivou a se matricular na escola. Antonieta trabalhava como copeira durante o dia e frequentava a escola à noite. Até os 27 anos, quando passou para a faculdade de medicina, revezava-se entre os estudos e jantares servidos à francesa. “Dona Lourdes lamenta até hoje ter perdido a melhor copeira que ela já viu. Eu era emprestada para servir o Balé Bolshoi. A cada jantar eu comprava um uniforme novo, adorava a meia soquete e a toquinha de renda. As mulheres eram todas muito elegantes”, contou.
Antonieta nunca se casou. Passava todo o tempo livre estudando na mesa da cozinha. “Meus patrões chegaram a me levar a um psiquiatra achando que eu tinha algum problema”, contou. A cicatriz que tem entre as sobrancelhas é a prova da sua obstinação. Numa das muitas noites que varou estudando para uma prova de química, cochilou, bateu com a cabeça na mesa e levou onze pontos. “Depois passei da época de amar. Casar e ter filhos, só quando se é jovem e irresponsável. Graças a Deus nunca me apaixonei. Só pela medicina legal”, disse. Ainda hoje, cinquenta anos depois, ela continua a morar com dona Lourdes, que completou 97 anos. As duas vivem num apartamento na Avenida Atlântica.
O primeiro registro histórico de necropsia é o do imperador romano Júlio Cesar, no ano 44 a.C. O exame constatou que dos 23 golpes recebidos apenas um foi mortal. Já o primeiro livro sobre medicina legal é o Hsi Yuan Lu, manual chinês publicado em 1248, que ensinava como aplicar conceitos médicos para a solução de casos criminais. Em 1532, Carlos V, rei de Espanha e imperador do Sacro Império Romano Germânico, promulgou a Constitutio Criminalis Carolina, que autorizou a necropsia forense. Em 1650, surgiu o primeiro curso especializado em medicina legal na Universidade de Leipzig.
O século XIX é considerado a época de ouro da medicina legal. Nesse período a ciência também prosperou no Brasil. A primeira necropsia médico-legal no país foi feita em 1835, por Hércules Otávio Muzzi, cirurgião da família imperial. Em 1856, foi criado, no Rio de Janeiro, o primeiro necrotério. Em seu livro, Medicina Legal: Texto e Atlas, Hygino de Carvalho Hercules lembra que Raimundo Nina Rodrigues, Afrânio Peixoto e Oscar Freire – para a maioria dos brasileiros, mais conhecidos como nomes de ruas – foram médicos-legistas reconhecidos internacionalmente.
Até 1975, o IML funcionava bem. Com a fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, o instituto passou a atender uma área geográfica muito maior e mais carente, sem contrapartida de aumento de recursos humanos e materiais. A baixa remuneração dos médicos resultante da crise na saúde fez com que muitos prestassem concurso para o instituto não por vocação, mas para complementar a renda familiar. Hoje, no Rio de Janeiro, não há cursos de pós-graduação em medicina legal para os que querem se dedicar à pesquisa. A profissão não tem mais o prestígio de antigamente.
Às 5h35, Gabriela entrou no necrotério bocejando. A claridade das luzes frias irritou seus olhos ainda sonolentos. Trazia um desjejum para os colegas de plantão: Coca-Cola Zero, uma caixa de uvas-passas, bolo de cenoura feito pelo marido e pipoca de micro-ondas light, cujo cheiro aliviou por alguns minutos o ar nauseabundo do local. Gabriela é capaz de sentir fome ao ver alimentos em estado inicial de digestão no estômago de autopsiados. Certa vez ela trabalhava no corpo de um homem que morrera afogado na piscina durante uma feijoada. “Cortamos o estômago dele e a couve ainda estava verdinha. Cheguei em casa com o maior desejo de comer couve. Contei o caso para a empregada e pedi que ela preparasse um pouco para mim. Acontece que ela tinha estômago sensível e passou mal só de ouvir a história. A coitada nunca mais conseguiu comer couve na vida”, contou. Um mês depois, quando lhe bateu um desejo de molho à campanha, não contou o motivo a ninguém. Pela sua experiência, arroz todo mundo come; feijão, nem sempre. “Quando eu morrer e vier para cá vai ser inédito: quase nunca como arroz”, disse a legista, que não teme a morte, mas tem fobia de barata.
No seu último plantão antes de tirar licença-maternidade, grávida de nove meses e dois dias antes de parir, Gabriela bateu seu recorde de necropsias: foram 22 em 24 horas. Um dos cadáveres era de uma mulher que morrera durante o parto. Assim que saiu do IML, ligou para o corretor e fez um seguro de vida. No dia em que voltou a trabalhar, recebeu o corpo de uma criança que havia sido eletrocutada após enfiar o dedo na tomada. Na mesma noite, tapou todas as tomadas de casa.
As mortes de crianças são mais difíceis de lidar. Gabriela contou que um dos secretários do IML se recusou a entregar à família o atestado de óbito de uma criança que morrera asfixiada com uma bola de gude na garganta. Não queria ver a reação dos pais. Ela mesma teve que dar a notícia. “A mãe disse que não tinha bola de gude em casa e não sabia como o filho tinha arranjado uma. Eles não quiseram ficar com a bolinha”, disse, sacando da bolsa a bola de gude que guarda sem saber o que fazer dela.
Os cadáveres sem identificação, como os que chegaram na madrugada de 9 de outubro, são referidos pelo tipo de morte: o esfaqueado, o baleado, o afogado. Enquanto Antonieta se ocupava dos baleados, Gabriela se encarregou de necropsiar o enforcado. Já os cadáveres identificados – os que vêm com o nome amarrado no dedão do pé – são tratados pelo primeiro nome, como se fossem velhos conhecidos. “Você viu o Cleyton?”, “Pode levar o Evair”. Os que começam a apodrecer recebem o apelido de podrinho, podre ou podrão, conforme o estado de decomposição. São autopsiados em uma sala localizada na parte externa do IML para não empestear ainda mais o ar e para evitar a contaminação pela fauna cadavérica – termo médico dado a larvas que procriam em todos os orifícios e tecidos moles do corpo.
Gabriela saiu da sala e foi para a área externa autopsiar um corpo em estado inicial de putrefação. O cadáver só fora encontrado porque os vizinhos começaram a se incomodar com o mau cheiro vindo da casa ao lado. “Essa galera encontrada em casa é pudim de cachaça. Quando abre, tem cirrose, desnutrição e pneumonia. É batata”, disse a legista. Observado de certa distância, parecia tratar-se de um defunto obeso. O saco escrotal impressionava por ser do tamanho de uma bola de futebol, consequência do inchaço causado pelos gases exalados no processo de decomposição. É necessário cuidado ao abrir um corpo assim – os gases explodem e o sangue espirra na cara. O diagnóstico de Gabriela foi confirmado – tratava-se, sim, de um alcoólatra.
Já o enforcado surpreendeu a todos. Além do claro estrangulamento – evidenciado por uma profunda marca deixada pela corda no pescoço – o estômago estava cheio de bolinhas pretas – era ingestão de chumbinho. Algumas vezes os corpos são envenenados e depois pendurados para forjar suicídio. Esses são casos de homicídio de fácil resolução, pois faltam as marcas das reações vitais no pescoço. No caso do cadáver autopsiado por Gabriela, ficou claro que era um suicídio por envenenamento e enforcamento. “As reações vitais, a cara roxa e o sangue azul em sinal de asfixia comprovam isso”, explicou.
Eram sete horas da manhã quando Antonieta declarou encerradas as necropsias. Debruçara-se sobre os corpos durante duas horas. Não demorou quinze minutos e outro cadáver chegou. Era mais um baleado. “Oba”, exclamou, comemorando com uma dançadinha. Entusiasmada, comandou: “Bota na mesa!” Sem perder tempo, iniciou o trabalho, desta vez cantarolando Olhos castanhos. À Gabriela coube fazer uma verificação de óbito, ou V.O., termo empregado para definir casos onde não há pistas externas da causa de morte. O legista tem que fazer uma investigação minuciosa, órgão por órgão. A vítima daquele dia dera entrada na Unidade de Pronto Atendimento do Complexo do Alemão com fortes dores de cabeça e morrera duas horas depois. O corpo parecia saudável. Suspeitava-se de rompimento de um aneurisma. Por se tratar de morte natural, o corpo não deveria ter sido encaminhado para lá.
Quando isso acontece, Gabriela fica indignada. Ela critica os médicos que mandam verificações de óbito desnecessárias para o IML: “Eles ficam com medo de assinar atestado de óbito e sofrerem processo depois. Por isso mandam os corpos indevidamente para cá. Uma vez eu conversei com a defunta, pedi desculpas para ela, mas mandei o corpo de volta. Nós somos responsáveis por mortes não naturais, e ponto”, disse.
Naquele sábado, Antonieta e Gabriela foram para casa depois de verem dezoito mortos: seis baleados, cinco atropelados, um enforcado, dois asfixiados, duas mortes por causa natural identificadas por verificação de óbito e outras duas sem possibilidade de determinar a causa devido ao estado avançado de decomposição.

DELFIM NETTO: biblioteca pode ter uns 500 mil itens

Delfim Netto comprou seu primeiro livro na Civilização Brasileira, no Centro de São Paulo, quando era adolescente. Sete décadas depois, ele tem 250 mil livros. Eles estão acomodados num galpão com vários salões no sítio do ex-ministro em Cotia, nas imediações de São Paulo. Quer dizer, ele supõe que sejam 250 mil. “Usando como critério o número de artigos e ensaios, que são o usual no meu campo, o da economia, acho que a biblioteca pode ter uns 500 mil itens”

quinta-feira, 14 de abril de 2011

"A Grande Conquista é o resultado de pequenas vitorias que passam despercebidas."

terça-feira, 12 de abril de 2011

Briga de marido e mulher - Acidente envolvendo exclusivamente casal não dá margem a dano moral

Acidente envolvendo exclusivamente casal não dá margem a dano moral.
5ª turma Cível do TJ/MS negou por unanimidade provimento à Apelação Cível de casal, declarando que acidente automobilístico que envolve marido e mulher não é capaz de gerar dano moral ou material a nenhum dos cônjuges.
Nas palavras do desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva, relator do processo, "se marido e mulher viajavam juntos, com identidade de propósitos, inclusive com rodízio na condução do veículo sinistrado, não se configura ato ilícito o acidente de trânsito nessas circunstâncias". Atualmente, o casal está em processo de separação.
O caso iniciou-se com uma ação de indenização ajuizada pelo marido contra a esposa, por acidente automobolístico quando deslocavam-se para o Estado do PR. Afirma nos autos que a recorrida trafegava em alta velocidade, além do permitido pela legislação de trânsito. Assim, requeriu no mérito "pelo provimento do recurso de apelação, para julgar procedentes os pedidos constantes da inicial, condenando a recorrida em danos pessoais, materiais e morais".
A esposa também apelou da sentença proferida pela 2ª vara da comarca de Bonito/MS, alegando cerceamento de defesa. No mérito, afirma que foi o ex-marido quem deu causa ao sinistro, "pois tinha plena ciência de que a recorrente não estava em condições físicas e psicológicas, para a condução do automóvel naquela viagem. Assim, agiu com negligência e imprudência, passível de indenização". Além disso, alega a recorrente que o acidente de trânsito causou-lhe transtornos de ordem extrapatrimonial, principalmente porque o ex-marido não prestou auxílio físico, emocional e financeiro. Requer, assim, a reforma da sentença para julgar procedente o pedido de condenação por danos morais ao ex-cônjuge, além de litigância de má-fé e nos ônus da sucumbência.
O desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva frisou em seu voto serem fatos incontroversos que na época do acidente os apelantes eram ainda casados; que a ré era quem conduzia o veículo na hora do acidente; e que ambos se revezavam na condução do automóvel.
O relator registrou a necessidade de preservar o instituto do casamento "no qual os consortes assumem, ou deveriam assumir, a comunhão de interesses, com respeito e dignidade. Do contrário, estar-se-ia contribuindo para o 'funeral da referida instituição', pelas mãos da própria Justiça". Ao analisar as provas, o magistrado afirma que não é possível declarar com absoluta certeza que a ré dormiu ao volante (o que, de acordo com o réu, teria sido a causa do acidente).
Portanto, não pôde o relator imputar culpa a nenhum dos ex-cônjuges, "não só em decorrência do laço matrimonial e dos propósitos da viagem, como, também, pela escassez da prova produzida, a revelar, quando muito, culpa concorrente, em razão do cansaço da viagem. Contudo, a referida culpa concorrente, ainda que fosse considerada, não teria o condão de se atribuir a responsabilidade civil a qualquer das partes, justamente pela união dos consortes", finalizou o relator, não concedendo indenização ao ex-marido e tampouco à ex-mulher.

Argentina: Según un estudio, los jueces son más indulgentes después de comer

Justicia Argentina: Según un estudio, los jueces son más indulgentes después de comer
Tras el desayuno o el almuerzo, el 65 por ciento de las sentencias son a favor de los detenidos. Estudiaron más de 1100 fallos.
Si tiene que enfrentarse a un juez, mejor que sea a primera hora de la mañana o después del almuerzo. Un nuevo estudio indica que ese es el momento del día en que los magistrados son más indulgentes.
Con la intención de probar la idea de que la justicia depende de "lo que el juez comió en el desayuno", un grupo de investigadores estudió 1.112 decisiones de jueces israelíes que presidían tribunales encargados de conceder o no libertad condicional a los prisioneros.
"Encontramos en la secuencia de casos que la probabilidad de un fallo favorable es mayor en el comienzo de la jornada de trabajo, o después de una pausa para alimentarse, que más adelante'', informaron los investigadores en la última edición de la revista Proceedings de la Academia Nacional de Ciencias de Estados Unidos -National Academy of Sciences-.
Los investigadores encontraron que al comienzo de una sesión de la corte alrededor del 65% de los fallos tienden a favorecer a los presos, pero la posibilidad de un fallo benévolo disminuyó casi a cero al final de la jornada.
Después de una pausa para comer, las sentencias favorables a los prisioneros volvieron a elevarse hasta un 65%, y después empiezan a disminuir de nuevo, agregó.
Los científicos, destacaron que el patrón se mantuvo para cada uno de los ocho jueces que observaron por más de 50 días.
Cuando las personas toman muchas decisiones seguidas, tienden a buscar maneras de simplificar el proceso cuando se fatigan mentalmente, dijo uno de los coautores del estudio, Jonathan Levav, de la Universidad de Columbia, en una entrevista telefónica.
Lo más fácil es mantener el status quo, es decir, dejar al preso en la cárcel, agregó.
Los investigadores descubrieron que las sentencias no suelen verse afectadas por la gravedad del delito, el tiempo de prisión cumplido o el sexo u origen étnico del recluso.
Los presos en los programas de rehabilitación obtuvieron la libertad condicional en más ocasiones, y los que eran reincidentes, en menos.
Los investigadores dijeron que sospechan que la gente también busca maneras de simplificar las cosas cuando se enfrenta a una serie de decisiones en situaciones legales, médicas, financieros o de otro tipo.
(Publicado por El Clarín – Argentina, 12 abril 2011)

domingo, 10 de abril de 2011

Meu Bom Retiro

Mario Luis de Moraes
No inicio do século XX minha família aportou em Santos, vindos de trás os montes, Portugal...
Começaria assim nossa história no Bom Retiro. Nossa casa, adquirida pelos meus bisavós em 1926, já sofria com as enchentes.
Nasci em 1964 e na minha infância lembro do muro de casa que tinha pouco mais de um metro e incrivelmente não éramos vitimas de ladrões.
Nos finais de semana jogávamos futebol na rua. Vez em quando passava um ônibus da viação Vila Galvão (era branco e verde) rumo a Guarulhos. O metrô ainda em construção na Praça Professor José Roberto. Lembro da Dona Nena que andava num Dodge Polara azul celeste e que vendia fogos pra toda molecada do bairro no quintal de sua casa.
Minha rua abrigava também a fabrica de brinquedos Coluna. Ao final da rua era o forno da prefeitura, que queimava boa parte do lixo da capital. Tinha também os campos de futebol do Corintinha, na beira do rio Tamanduateí. O carrinho do Pedroca, que ficava em frente ao colégio Renascença e vendia tudo quanto era doce que podia imaginar.
Mas, tudo passa... Chegou o metrô, mudando o nome da praça do pobre professor José Roberto para Armênia, que depois também deu o nome a antiga estação Ponte Pequena. O Micuim virou Senhor Fragosos, respeitado vendedor de bilhetes da loteria... Nunca mais bebeu. A Dona Nena se foi, deixando seu Dodge Polara e pra nossa sorte nunca mandou o quarteirão pelos ares. O Forno deixou de queimar o lixo, pois segundo dizem, produzia fumaça cancerígena. Agora só polui o solo, pois verdadeiras montanhas de lixo são acumuladas lá diariamente. O campo do Corintinha deu lugar à favela do gato que depois virou Parque do Gato, conjunto habitacional criado pela então prefeita Marta. O Pedroca, nunca mais o vi, mas ainda sinto o gosto do drops dulcora e das balas 7 bello, além das figurinhas que ele vendia.
Nossa casinha, ainda firme e forte abriga meus pais e meu irmão, companheiro das brincadeiras na infância. O muro agora tem quase 3 metros e as enchentes, essas prefeito nenhum deu jeito

Dia Nacional do Jornalista

Armando Bergo Neto
Os profissionais do jornalismo celebraram em 07 de abril o Dia Nacional do Jornalista, homenagem a que fazem jus em razão de sua trajetória histórica de lutas e pelo fato de serem a fortaleza inexpugnável da livre manifestação do pensamento, de trabalharem com afinco para que seja atingido o direito sagrado das pessoas poderem manifestar seu pensamento sem que venham a sofrer quaisquer restrições ou perseguições de qualquer ordem.
É um dever da sociedade brasileira fazer este protesto de veneração e de respeito, visto que há a certeza de estar sendo externando o pensamento de uma gama enorme de pessoas que, num determinado momento, sentiram a vontade de prestar uma singela, porém sincera homenagem aos jornalistas. Graças a esta importante categoria de trabalhadores, só para exemplificar, pudemos acompanhar, em tempo real, o desenrolar de diversas Comissões Parlamentares de Inquérito, o que denota a importância da nobre classe aos desígnios do Brasil, resultando por enaltecer e aprimorar a democracia em nosso País.
Realmente, os jornalistas brasileiros têm nos dado uma bela demonstração de como amar a pátria, servindo-a sem que existam benefícios escusos por detrás. Anos a fio, e principalmente nos últimos tempos, têm exercido com esmero seu papel de informar, de esclarecer os cidadãos principalmente sobre "res publica", ou seja, sobre a coisa pública que a todos pertence, incitando-os ao efetivo exercício da cidadania. Hoje é fato público e notório que os nossos jornalistas não estão sujeitos ao Poder Estatal, não são servis, exercendo sua missão sem coerção e subserviência. Ao contrário, fazem valer o princípio constitucional da livre manifestação do pensamento sem temor de contrariar interesses, de causar dissabor a um determinado agente político ou a uma determinada sigla partidária. Desta forma, põem em prática sua nobre missão, seu papel social de informar e ao mesmo tempo conscientizar a população, colocando em prática os dispositivos encartados em nossa Constituição Federal.
Graças aos nossos jornalistas - e principalmente ao jornalismo investigativo -, muito se tem solucionado no país, grande número de criminosos do "colarinho branco" estão respondendo por seus delitos perpetrados contra a Nação, cabendo ao Poder Estatal, na esfera do Ministério Público, das Polícias Civil e Federal, assim como Poder Judiciário, exercerem, com afinco, as funções para os quais foram criados, colocando atrás das grades facínoras disfarçados de homens públicos. E a sociedade clama, mais do que nunca, para que esteja próximo o momento de termos também encarcerados estes pseudo-representantes do povo, que deveriam zelar pelo bem comum, mas que se apropriam do dinheiro público como se este não pertencesse a ninguém, transformando o que é público em privado e esquecendo-se que o dinheiro advém do recolhimento de uma carga tributária estratosférica, e que é paga pelo povo brasileiro.
Os jornalistas de outrora - num passado não muito distante -, algumas vezes acabavam por esmorecer nas tarefas investigativas e de denúncia, ante a forte pressão política a que estavam submetidos e às suas consequentes perseguições, redundando assim o pouco que podiam proporcionar em razão das opressões que lhes eram impingidas. Hodiernamente, transcorridos anos de lutas, com esforços e com empenho de inúmeros jornalistas abnegados, podem orgulhar-se de seu papel imprescindível ao desenvolvimento da Nação.
Parabéns pelo Dia Nacional do Jornalista! O prestígio, a colheita de louros e de bons frutos são a consequência do plantio profícuo, do trabalho sério, ético e de respeito para com a sociedade brasileira. O trabalho, a seriedade, e a contribuição dos profissionais do jornalismo são significantes exemplos a serem trilhados por nossa juventude, tão carente de bons modelos.




Digitalização

Em debate quanto às normas que os cartórios deverão seguir para o armazenar digitalmente os documentos públicos, Marcelo Berthe, juiz auxiliar do CNJ, alerta aos tabeliães da Amazônia Legal que, antecipadamente, vem migrando seus acervos documentais para meios eletrônicos.
"Em breve, editaremos normas de preservação do documento em meio eletrônico. Seria prudente aguardar a edição dessas normas, pois elas virão e deverão ser seguidas. Essas pessoas se arriscam a fazer duas vezes o trabalho", afirmou Berthe, juiz coordenador da Comissão Especial para Gestão Documental do Foro Extrajudicial, que dentro de 120 dias deverá propor ações que recuperem, modernizem e garantam maior agilidade e segurança jurídica aos atos de registro de imóveis.
De acordo Sergio Jacomino, 5º oficial de registro de imóveis de São Paulo, milhares de livros de registro e indicadores estão sendo digitalizados em formatos que não seguem qualquer critério ou padrão que garanta à Justiça e ao cidadão os efeitos legais esperados.
"Estão vendendo digitalização sem garantir nenhum tipo de segurança – nem jurídica, nem de preservação documental. E isso está acontecendo descontroladamente. Sequer as normas baixadas pelo Conarq - Conselho Nacional de Arquivos vem sendo observadas. Não há qualquer segurança jurídica", disparou o registrador, membro da Comissão Especial.
Palestras
Em reunião, no dia 4/4, os membros da Comissão Especial ouviram palestras do coordenador de Preservação da Fundação Biblioteca Nacional, Jayme Spinelli Júnior, do especialista em Preservação Digital Carlos Augusto Silva Ditadi, e do físico convidado Luis Fernando Sayão, que apresentou o paradoxo da preservação digital. "Nos meios tradicionais preservar significa manter imutável e intacto; no ambiente digital, preservar representa mudar os formatos, renovar mídias, recriar hardwares e softwares", disse.
Jayme Spinelli apresentou à Comissão o Plano de Gestão de Risco para a preservação dos conteúdos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. "Se adaptado, não tenho a menor dúvida que pode servir para o acervo dos cartórios de imóveis", afirmou o especialista, que vê similitudes entre os acervos, que trabalham basicamente com livros.
A Biblioteca Nacional tem quase 20 anos de trabalho de preservação digital e já conta com um acervo em meios eletrônicos de boa parte de sua biblioteca.
Para Berthe "é impossível abrir mão do documento físico". "Em meio digital o acesso aos documentos é mais fácil; os procedimentos ficam mais ágeis, mas para mantermos a segurança jurídica esperada desses papéis não há formato digital ainda tão seguro", ponderou.
Na próxima reunião, agendada para o dia 26, será a vez dos registradores e tabeliães apresentarem seus desafios e contribuições sobre o tema.
Insegurança
Os cartórios dos Estados da região Norte foram escolhidos pela Comissão Especial para iniciar o projeto. Além de totalizarem 61% do território nacional, os nove Estados se caracterizam pelos frequentes e violentos conflitos fundiários, causados muitas vezes pelo sistema caótico de registro de imóveis.
"O registro de imóveis assegura a quem pertence os direitos sobre as terras e, até hoje, esse sistema se baseia em papel. Na Amazônia, assim como em todo o país, encontramos cartórios com livros se desfazendo, documentos esfarelados, perdidos, e informações imprecisas. O sistema, como um todo, não vem oferecendo a segurança que deveria", apontou Antonio Carlos Alves Braga Junior, juiz auxiliar da presidência do CNJ e membro do Comitê de Assuntos Fundiários do Conselho.
Ao todo são 533 cartórios, distribuídos nos nove Estados da região. Se as ações nesses Estados derem certo, o trabalho se replicará nas demais regiões brasileiras. A medida faz parte do Plano Nacional de Modernização dos Cartórios da Amazônia Legal, coordenado pelo CNJ.
Dentre as medidas que devem ser sugeridas pela Comissão, estão criação de softwares; informatização de serviços; restauração de livros; capacitação de servidores do Poder Judiciário e serventuários de cartórios e a elaboração de repositórios digitais destinados ao arquivamento desses milhões de documentos.
No ano passado, um acordo de cooperação firmado entre o CNJ e o Incra disponibilizou R$ 10 milhões para custear pesquisa, compra de equipamentos de informática, produção de software de registro eletrônico e a realização de cursos de capacitação.
"O dever é um deus que não admite ateus"
Victor Hugo

O detetive da memória


O paranaense Rui Sampaio foi o precursor da hipnose forense na América Latina. Método ajudou a elucidar cerca de 700 crimes no Paraná
Publicado em 10/04/2011
BRUNA MAESTRI WALTER
No final da década de 1970, as irmãs adolescentes Rute e Rita tomaram uma decisão corajosa: deixar o irmão mais velho, Rui Fernando Cruz Sampaio, então com 20 anos, hipnotizá-las. Estudante de Psicologia, Sam¬paio tinha acabado de ler um livro sobre hipnose e ficou impressionado. Como o método não era bem aceito na época – praticamente não existia literatura nem cursos sobre o assunto –, o jeito foi convidar as irmãs para poder aprender na prática. Autodidata, ele começou a atender familiares e amigos na casa da família, na Lapa, na Grande Curitiba. Mal sabiam as cobaias que estavam colaborando para uma iniciativa que, no futuro, se tornaria inédita na América Latina.
Por gostar de investigação e assuntos científicos, o jovem também ingressou na carreira de perito criminal no Instituto de Criminalística do Paraná, em Curitiba. Gostava da profissão, mas tinha algo que o intrigava: a dificuldade de testemunhas e, principalmente, de vítimas em descrever o criminoso. “A tendência da nossa mente é esquecer o que é desagradável”, conta. Desfazer esse trauma poderia ser uma das chaves para conseguir mais pistas e Sampaio começou a se questionar se a hipnose não poderia ajudá-lo.
Criada no século 19, a hipnose é um instrumento médico psicológico que busca desfazer a amnésia. Ao contrário do que muita gente pensa, é um estado intermediário entre estar acordado e em sono profundo. Durante o transe, a pessoa continua consciente e pode, sim, mentir. Ela é convidada a regressar à lembrança de fatos passados e, quanto mais profundo o estímulo, mais os detalhes vêm à tona.
Munido dessas informações, Sampaio procurou a chefia do Instituto de Criminalística na época e apresentou a proposta. Acrescentou o fato de ter concluído o curso de Psicologia e iniciado o de Medicina. Os superiores olharam com certa desconfiança, mas permitiram a realização de consultas experimentais em 1983.
Sampaio foi desenvolvendo a técnica na prática e montou uma espécie de código de ética na hipnose forense. Uma das regras é que somente testemunhas e vítimas com amnésia total ou parcial seriam submetidas ao método, desde que consentissem. Os suspeitos, réus e indiciados ficariam de fora porque, pela legislação, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Também os casos mais graves seriam medicados antes das sessões.
Primeiro caso
Definidas as regras, chegava a hora de atender o primeiro caso. Atropelamento, uma vítima, uma testemunha que não se lembrava de detalhes e poucas provas. “Era um caso sem solução”, diz o perito. O frentista que tinha visto o acidente aceitou ser submetido à hipnose, 40 dias depois de o fato ter acontecido. Durante a sessão, ele lembrou que o atropelamento foi provocado por uma Kombi e que um caminhão de mudanças com o logotipo de uma empresa havia tentado impedir a fuga do veículo.
Os investigadores chegaram ao motorista do caminhão, que no fundo da gaveta tinha guardado o número da placa da Kombi, usado em uma aposta no jogo do bicho. A Kombi foi encontrada e a perícia mostrou que havia ali resquícios de sangue. Diante das evidências, o dono do veículo confessou o crime.
Nas várias sessões de hipnose surgiam detalhes que auxiliavam na produção de retratos falados, na descoberta de mais testemunhas e na busca por provas. A desconfiança inicial com o trabalho do perito foi sendo diluída a partir do momento que o método começou a dar resultados (leia mais nesta página). Em 1999, estava instalado o Laboratório de Hipnose Forense do Paraná, iniciativa pioneira na América Latina, segundo Sampaio.
700 sessões
Na sala com poltronas e vidro espelhado, ele calcula ter feito mais de 700 sessões e diz que em praticamente todas elas conseguiu alguma pista que ajudasse na investigação. A chave estava no uso do poder da fala, em tom baixo e monótono, que fazia a pessoa entrar em transe e rever a cena do crime – entonação que pode fazer com que até a repórter se perca na entrevista.
Só que a iniciativa considerada de sucesso chegou ao fim em 2008. Sampaio se aposentou e não havia ninguém qualificado para assumir a função, além de o Instituto de Criminalística começar a registrar necessidades consideradas mais urgentes. Enquanto isso, outros estados (como São Paulo) buscam implementar a iniciativa em moldes semelhantes ao do pioneiro Paraná, onde o Laboratório de Hipnose Forense parece ter regredido de vez.
Casos resolvidos
Veja alguns dos crimes mais emblemáticos solucionados com o auxílio da hipnose:
Sem identidade
Um jovem de 22 anos não sabia nada sobre sua identidade. Ele trabalhava em uma delegacia da região metropolitana de Curitiba. Fã de Michael Jackson, foi apelidado de Michael. Em 2002, diversos exames não encontraram nenhuma anomalia. Submetido à hipnose, falou durante uma das sessões o nome de duas cidades: Esplanada (BA) e Estância (SE). Policiais receberam a informação que um menino de oito anos tinha sido sequestrado por ciganos e andarilhos numa dessas cidades. As características do menino desaparecido batiam com as de Michael. Ele foi submetido a exames de DNA e chegou-se à conclusão de que os pais dele moravam em uma dessas cidades.
Vítima ou suspeita?
Durante uma sessão de hipnose, a vítima passou a ser a principal suspeita. Um bebê de 40 dias havia sido encontrado morto na região metropolitana de Curitiba. A mãe da criança aceitou se submeter à hipnose e durante a sessão o psicólogo, psiquiatra e perito criminal Rui Sampaio notou que o comportamento da mulher não estava condizente com o de uma vítima. Ela não mostrava comoção. Pela experiência como perito, Rui notou que havia algo estranho e comunicou às autoridades. A mulher passou a ser investigada e o delegado a interrogou novamente. Ela se contradisse na delegacia e a polícia chegou à conclusão de que a mãe havia assassinado a própria filha.
Novo rumo
Depois de um atropelamento que resultou na morte de duas pessoas, há 10 anos, em Ponta Grossa, a polícia começou a procurar por um veículo Ômega bordô. As testemunhas, dois adolescentes que tinham escapado do acidente, diziam que o atropelamento tinha sido provocado pelo motorista que dirigia um veículo com essas características. Os jovens aceitaram se submeter à hipnose e durante a sessão foram taxativos ao falar que se tratava de um Ômega azul. A polícia mudou o rumo da investigação, encontrou o veículo abandonado em um barracão e não demorou a localizar o atropelador.



70 anos do ‘Rei‘ Roberto

9 de abril de 2011
JT
Bolo de aniversário será cortado no palco, dia 19, em Vitória (ES): o ‘Rei’ não quer nem ouvir falar em aposentadoria e tem planos para os próximos dez anos
Bossa novista, roqueiro, crooner sinatriano, romântico, ativista ambiental, bolerista, baladeiro, trilheiro de motéis, sertanejo, funky, soulman. Em 51 anos de carreira, é um leque de amplidão admirável, incomparável no songbook de qualquer artista vivo.
Em sua figura, fundem-se Beatles e João Gilberto, o carola e o conquistador, o amante dos carangos envenenados e o inimigo dos hábitos perigosos. É o santo e o herege, o revolucionário e o conservador. Maior ídolo popular do País, Roberto Carlos completa 70 anos no próximo dia 19 – e não poderia ser de outra forma: nesse dia, apaga as velas do seu bolo no palco do Ginásio Álvares Cabral, em Vitória (ES), às 21h30. Ingressos custam de R$ 100 a R$ 320 e é show beneficente.
Há 45 anos, quando de sua assunção como ídolo do emergente iê-iê-iê, o chamavam de Rei da Juventude. Hoje, ficou apenas o título nobiliárquico, ‘Rei’, porque a idade de suas plateias tornou-se elástica – pode-se encontrar gente de 8 a 80 anos cantando suas canções nos shows.
“Eu não sei ser Rei, só sei cantar”, diz o artista capixaba. São 70 anos de idade e 56 anos de gravações – a primeira vez que sua voz foi gravada foi em 1955, num registro feito pelo radialista e cantor Genaro Ribeiro em discos de alumínio de gravações experimentais.
Roberto está longe de se comportar como um ídolo no crepúsculo. “Não penso em aposentadoria, porque vou continuar trabalhando, vou continuar cantando”, disse o artista, no Rio, em dezembro. “Ainda quero realizar muito mais, principalmente no tema do amor.”
Jotabê Medeiros

Cracolândia terá mais da metade da área demolida

9 de abril de 2011
Tiago Dantas
O projeto Nova Luz pretende mudar a cara de 60% do perímetro formado pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias, Cásper Líbero e Rua Mauá, no centro da capital. Cerca de 300 mil metros quadrados da cracolândia, o equivalente a 63 campos de futebol como o Morumbi, deverão ser desapropriados para que prédios residenciais e comerciais, estacionamentos, praças e equipamentos culturais saiam do papel.
Um estudo preliminar de viabilidade econômica do projeto aponta que seria necessário cerca de R$ 1,1 bilhão para a compra de todos esses imóveis, a demolição deles e a remoção do entulho. O pagamento de valores de mercado pelos terrenos é uma das reivindicações de moradores e comerciantes da região, que temem receber o valor venal, que é mais baixo. Outro pedido é que ninguém seja obrigado a deixar o bairro.
Questionada sobre os números, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, pasta responsável pelo projeto, informou que “foram estimativas baseadas em várias metodologias e de forma preliminar”, o que significa que o valor ainda pode ser alterado. A secretaria disse, também, que “deverá o concessionário, preferentemente à desapropriação, efetuar entendimentos com o proprietário do imóvel para eventual composição amigável”.
Ainda não há prazo para o lançamento do edital que escolherá a empresa que ganhará a concessão do perímetro. Em troca da realização das obras, esse grupo poderá lucrar com a venda dos novos imóveis. A escolha da construtora da Nova Luz só poderá ser feita depois que o projeto urbanístico estiver pronto. Inicialmente prevista para ser entregue neste mês, a proposta definitiva deverá ser apresentada até o fim de junho, segundo a Prefeitura.
O plano está sendo elaborado desde 17 de junho do ano passado pelo Consórcio Nova Luz, formado pelas empresas Concremat Engenharia, Cia.City, Aecom e Fundação Getúlio Vargas. O arquiteto e urbanista Cândido Malta Campos Filho aprovou o pré-projeto, apresentado em dezembro pelo consórcio.
“Gostei dos princípios: primeiro, o privilégio aos pedestres, com o alargamento de calçadas. Segundo, o reconhecimento dos eixos comerciais, resguardando o direito dos comerciantes. Terceiro, por ter bulevares arborizados e permitir habitações de baixa renda”, disse Malta.
A também urbanista Lucila Lacreta, diretora do Movimento Defenda São Paulo, mostrou sua preocupação com a concessão de 45 quarteirões da cidade para a iniciativa privada. “Numa concessão, a empresa presta um serviço para a sociedade, como a Eletropaulo, por exemplo. Na Nova Luz, a empresa que vencer a concessão vai desapropriar terrenos baratos para construir prédios maiores e mais caros para ela própria. Cadê o interesse público nisso?”
Embora prometa mudanças em 60% do terreno, o plano deve mexer em 28% da área construída no perímetro. Os arquitetos do consórcio responsável pelo projeto de revitalização argumentam que a maior parte dos locais identificados como passíveis de desapropriação já estão vagos.
O consórcio ressalta, ainda, que pelo menos 89 prédios tombados do bairro serão reformados. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano informou, por nota, que “este número pode oscilar e por conta disso não pode ser considerado definitivo” e que “o projeto está sendo aprimorado, contando inclusive com participação da comunidade local”.