domingo, 22 de maio de 2011

A princesa que tomava ônibus

Pompa, recordações, lençóis sem ruga e mesóclises na despedida da matriarca da coroa brasileira

21 de maio de 2011
CHRISTIAN CARVALHO CRUZ/ O Estado de São Paulo
Arquivo pessoal de Dionatan da Silveira Cunha
As bodas com D. Pedro Henrique, no castelo da família dela, na Alemanha

Na quinta-feira, ao sair bem cedo de sua residência no Pacaembu, em São Paulo, D. Bertrand Januário Maria José Pio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, caso se dispusesse a dar uma respirada mais audaz, breve que fosse, sentiria aquele cheiro azedo de amônia a lhe conspurcar as narinas. Mas ele tinha mais o que fazer. Dois pares de horas depois, como chefe interino da Casa Imperial do Brasil, foi recebido com pompa na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no centro do Rio de Janeiro. Adentrou a nave escoltado por 12 cadetes do Batalhão do Imperador, imaculados e imóveis em suas casacas azuis, luvas brancas, chapéus de penacho e “sentido”, “apresentar armas” e “descansar” de praxe. Era a missa de sétimo dia da mãe de D. Bertrand: Sua Alteza Imperial e Real, D. Maria Elizabeth Francisca Teresa Josefa de Wittelsbach e Croÿ-Solre de Orleans e Bragança – D. Maria da Baviera, na corte; Princesa-Mãe, no popular.

D. Maria expirou às 13h da sexta-feira 13, aos 96 anos, “confortada com os sacramentos da Santa Igreja”, conforme o anúncio fúnebre que a família fez publicar na seção de falecimentos do Estado. Nascida em um castelo em Munique e neta do último monarca alemão a governar, o rei Luís III, ela ingressou na história do Brasil pelo altar. Em 1937, no mesmo castelo, foi desposada pelo príncipe Pedro Henrique, francês de nascimento, neto da Princesa Isabel. Ela estava com 22 anos. Ele, com 28. Antes, noivaram um ano e pouco para se conhecer melhor. Sem direito a pegar na mão, mas com passeio de veleiro pelos lagos bávaros, como prova o álbum de fotos da família.

Fazia cinco anos e meio que D. Maria, vítima de problemas cardíacos, não deixava seu apartamento de quatro quartos na Lagoa. Na noite anterior, ela recebera a extrema-unção do padre Jorjão (requisitado casador e batizador de celebridades cariocas) e, quando chegou a hora, estava cercada por 11 de seus 12 filhos, que rezavam o terço. O primogênito D. Luiz Gastão Maria José Pio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, de 73 anos e adoentado em São Paulo, não pôde comparecer às exéquias, daí ter sido sempre representado pelo irmão D. Bertrand, o segundo na linha sucessória ao trono brasileiro, se um trono existisse.

A escolha da Antiga Sé para a cerimônia tem significado. Ali D. Pedro I foi coroado imperador e contraiu matrimônio. Duas vezes. D. Pedro II foi batizado, casado e coroado. E a Princesa Isabel se uniu ao Conde d’Eu. No cais lá adiante, onde agora aportam as barcas trazendo o poviléu (também chamado trabalhadores) de Niterói todas as manhãs, D. João VI desembarcou fugindo de Napoleão, em 1808. Pois foi nesse pedaço de pátria que D. Bertrand saltou do carro e se dirigiu apressado à porta da frente da catedral. Se tivesse desviado o olhar para sua direita teria visto um grupelho de súditos que, coçando a barriga uns, chupando laranja outros, liam as manchetes penduradas na banca de jornal. “Louraça belzebu sofreu violência sexual aos 7 anos”, informava o Meia Hora. “Amante de Loura Fatal pode não ter sido estrangulado”, contava o Extra!. “Ronaldinho leva R$ 80 mil para brincar de foca”, espantava-se o Expresso da Informação. E, depois, quando Suas Altezas lamentam a “perda de valores da sociedade brasileira”, vêm uns esconjurados fazer troça...

“Quem são os exemplos de nobreza desses nossos dias? Rainha Xuxa? Adriano Imperador?”, invoca o advogado Antonio Gameiro, diretor do Círculo Monárquico do Rio, conglomerado de simpatizantes da causa monarquista e, na presente ocasião, encarregado do cerimonial da missa. Ele está certo de que a salvação desse Brasilzão de pobres-diabos está na restauração da coroa. Garante que quando esse dia chegar não se torrará um tostão nem a paciência do erário. A capital do império permanecerá em Brasília e, a despeito da feiura dos prédios do Niemeyer, que se há de fazer?, o imperador ocupará um dos palácios lá existentes – o Alvorada, de preferência, podendo o primeiro-ministro se aboletar no Planalto.

Na sacristia, um ordeiro vaivém leva flores para lá e traz castiçais para cá. Alguém quer saber se deve usar a âmbula grande para as hóstias. “Não precisa. Pode ser a pequena, mas enche até a boca”, instrui o professor de coroinhas Leandro Pereira, da Juventude Monarquista. É fácil distinguir os monarquistas derredor. Eles vestem ternos escuros e carregam o brasão da Família Imperial na lapela. Falam mui educadamente e não exageram nos gestos – o que significa não fazer gesto nenhum, a maior parte do tempo. Tratam os príncipes e as princesas (juntando aí os 12 filhos, 25 netos e 3 bisnetos de D. Maria) por Sua Alteza, lhes dão sempre Dom e Dona, não importando a idade, e os cumprimentam com uma reverência, das pequenas: leve baixar de cabeça. Mas, acima de tudo, eles defendem a Família Imperial até no que ela não tem culpa. “Dom Luiz, o herdeiro do trono, contraiu pólio quando criança e se encontra debilitado, por isso não veio. Entretanto, você deve considerar que naquela época não havia vacina para a doença”, ressalva Pedro Andrade Corrêa de Brito, presidente da Juventude Monarquista.

O rapaz deixa o pescoço cair respeitosamente e dá um passo atrás quando D. Bertrand se aproxima trazendo o irmão, D. Antônio, terceiro na linha, para falar da mãe. Ele conversa baixinho e, traço comum nos Orleans e Bragança, tem um capricho natural na formulação das frases. “Mamãe teve trabalho comigo, fui uma criança teimosa”, ele começa, leve sotaque carioca. “Punha-me de castigo, proibindo-me os passeios a cavalo quando eu não entregava o dever de casa. Ela fazia questão de que arrumássemos nossas camas e passava para inspecionar. Estimulava uma pequena competição para ver quem deixava menos rugas no lençol”, continua. “Gostava demais da fazenda em Vassouras (interior do Rio), mas quando se mudou para a capital depois da morte de papai, em 1981, tomava ônibus para ir fazer o serviço social de que gostava tanto, que era dar aulas de pintura em porcelana em uma entidade assistencial. E, primordialmente, jamais deixou de nos dizer que um monarca não se pertence, pertence à nação. Que estivéssemos prontos.”

Igreja cheia, sem viv’alma em mangas de camisa, a missa vai terminando. A família se reunirá mais uma vez no apartamento da falecida para um almoço. Degustarão estrogonofe de filé mignon e pudim de leite condensado como sobremesa. Um pequeno convescote de 50 talheres. Antes, porém, os netos sobem ao altar para prestar a última homenagem à “vó Maria”. Lembram de como gostavam de caçar os ovos cozidos que, na Páscoa, D. Maria pintava à mão e escondia na propriedade. À saída, os 11 filhos se perfilam, D. Bertrand à frente, para receber os pesares “analógicos”, já que no anúncio fúnebre publicaram o e-mail condolências@casaimperialdobrasil.org a fim de recebê-los digitalmente também. Lá se vai mais de uma hora para atender a todos, entre eles as três enfermeiras que nestes últimos cinco anos e meio se revezaram para assistir D. Maria no apartamento da Lagoa, 24 horas por dia. “Antes de piorar, o que aconteceu de seis meses pra cá, ela lia muito, sempre em alemão, tricotava e, todas as tardes, às 6h, via DVDs de ópera e de balé”, conta Márcia de Jesus de Souza. “Nunca se queixou de nada, nem de dor.”

Na noite de quarta, D. Bertrand já tinha destacado a resignação como traço importante da personalidade de D. Maria. E mais de uma vez ele repetiu o “nunca se queixou de nada” ao discorrer sobre as dificuldades que a vida pôs no caminho dela: títulos e patrimônio confiscados pelos nazistas, parentes mortos em campos de concentração. “Ela falava para não nos preocuparmos, pois a Divina Providência não abandona as famílias numerosas. E assim foi. Jamais nos faltou o essencial, tampouco nos sobrou para luxar”, rememorava D. Bertrand na casa do Pacaembu, enquanto uma procissão de súditos de outro monarca, D. Edson Arantes do Nascimento Primeiro e Único, enchia a rua a caminho do estádio para ver Santos x Once Caldas pela Libertadores. Fácil ouvir a turba pela janela.

D. Bertrand mora ali com D. Luiz, de aluguel. Casa não muito grande e seca de afetação. Eles não casaram nem tiveram filhos, e dizem viver graças a economias e doações vindas dos monarquistas país afora. Três desses trabalham voluntariamente na casa, em cujos cômodos de entrada funciona o escritório da Casa Imperial do Brasil. Seu diretor coordenador-geral, Gustavo Cintra do Prado, não escondeu o desapontamento quando me viu chegar sem gravata. Um zeloso da mesóclise, ele tinha recomendado o uso do acessório. “Obrigatório não é, mas far-se-á boa figura perante Sua Alteza”, me dissera ao telefone. Não deu. Mas nem por isso D. Bertrand me tratou como um insurrecto do jeans com tênis. Pelo contrário. Ele se desculpou por não servir um cafezinho (“não estou acostumado a esse tipo de coisa”) e por ser demasiadamente ordeiro: “Você mal se levantou e eu já estou arrumando as almofadas do sofá, veja que coisa”.

Com paciência, ele me contou da lembrança mais remota que guarda de D. Maria. Aconteceu em Mandelieu, sul da França, onde ele e três irmãos nasceram. Devia ter 3 ou 4 anos, fim da 2ª Guerra. Passeio de velocípede, um soldado americano bêbado mete o coturno nas rodinhas do veículo. E lá se vai Sua Alteza Imperial voando e se esborrachando no chão... (com todo o respeito), depois acolhido e consolado pela mãe. Eu pergunto se ele, francamente, acredita na restauração da monarquia no Brasil. “Não tenho dúvidas disso, nunca as tive”, ele diz, desafiando minha impertinência com seus olhos grandes e resolutos. “A história é pendular. A era das utopias se foi, o próximo passo é retornarmos aos tempos dos bons valores do imperador, que é uma figura suprapartidária e educada para servir à nação, não se servir da nação. Além do mais, a questão monárquica conta com a simpatia do povo. Você tem filha? Pois bem. Estará mentindo se disser que nunca a chamou de minha princesinha.” E, mais uma vez, insistiu no mantra da causa monárquica: “Precisamos resgatar os bons valores”.

Lá fora, a vozeria santista aumentava e a cada dois minutos um torcedor chegava para regar a trepadeira que galga o muro de Suas Altezas, espargindo o odor de amônia que D. Bertrand não sentirá na manhã seguinte. A frente da casa se tornara uma fortaleza inexpugnável para o populacho urinar antes do jogo, protegido que ficava por uma caçamba coletora dos entulhos imperiais. Uns, mui respeitosos, ainda ralhavam com os amigos sem decoro: “Peraí, pô! Deixa as moça passar primeiro”. Outros, com invejável perícia, seguravam a lata de cerveja na outra mão e ainda cantarolavam: “Dá-lhe-ô! Dá-lhe Santos meu amor!” Tudo na mais perfeita ordem e absoluta ausência de confusão. Até fila faziam, numa brasileiríssima tropicalização de valores. Afinal de contas, remedando o nobre Muricy Ramalho, Visconde de Ibiúna e Arquiduque de Vila Belmiro, dir-se-ia o seguinte:

“Isso aqui é Brasil, meu filho!”

quinta-feira, 5 de maio de 2011

casa-da-mãe-joana

Joana I era a rainha de Nápoles e considerada a protetora cultural de poetas e intelectuais por causa de sua beleza e inteligência. Ela viveu na Idade Média (entre 1326 e 1382). Joana se casou com seu primo Andrew, irmão de Luís I, rei da Hungria. Algum tempo depois, Andrew foi assassinado em uma conspiração, na qual ela foi acusada de ter participado. Daí, o irmão da vítima, enfurecido, resolveu invadir Nápoles em 1348 perseguindo Joana, que se viu obrigada a fugir para a cidade de Avignon, na França.
Lá se instalou num palácio que já havia sido a moradia de sete papas e com sua habilidade passou a mandar na localidade. Tanto que, resolveu regulamentar os bordéis existentes. Uma das normas dizia: "O lugar terá uma porta por onde todos possam entrar." A partir disso, cada bordel ficou conhecido como "Paço da Mãe Joana".
Joana foi assassinada em 1832 por seu próprio sobrinho e herdeiro, Carlos de Anjou.
Transposta para Portugal, a expressão "paço-da-mãe-joana" virou sinônimo de prostíbulo. No Brasil, a palavra "paço" foi modificada para "casa", gerando a expressão como é conhecida até hoje: "Casa-da-mãe-joana". Os dicionaristas dizem que, por extensão, "casa-da-mãe-joana" indica o lugar ou situação em que cada um faz o que quer, onde imperam a desordem e a desorganização; um local onde vale tudo, onde predomina a confusão, a balburdia, etc.



domingo, 1 de maio de 2011

Restauro do Solar da Marquesa é concluído

29 de abril de 2011
JT
Iniciada em 2008, a reforma do Solar da Marquesa, na Rua Roberto Simonsen, no centro, chegou a fim. Mas prédio, à marquesa Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos, só deve ser aberto à visitação em agosto, já como sede do Museu da Cidade. A transferência de parte do acervo deve ocorrer nos próximos meses.
Hoje, o que se vê é a fachada de um prédio residencial de um andar, típico do século 18, com pintura recente em tom salmão. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, o custo da reforma, que passa pelos últimos retoques, é de R$ 2,4 milhões. Desde 2008, a entrega do Solar foi adiada várias vezes por conta de mudanças no método de restauro e até a descoberta de vestígios arqueológicos.
Ao lado do Solar, na Casa Número 1, o entra e sai de operários é intenso durante todo o dia. Cerca de 50 homens trabalham de segunda à sexta na reforma. A obra, que começou em julho de 2009, tem como nova data de conclusão o segundo semestre. A Secretaria Municipal de Cultural prefere não especificar um prazo. O prédio abrigará a Casa da Imagem de São Paulo, responsável pela preservação de todo o acervo fotográfico da capital.