segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Queima de história

Na Folha de S.Paulo, ontem, o jornalista Elio Gaspari elogiava a incineração, pelo Senado, do artigo 1.005 do projeto do novo CPC. O malfadado dispositivo determinava que processos arquivados há mais de cinco anos deveriam virar cinzas. Trata-se, na verdade, de uma luta épica do jornalista, que há treze anos, no dia 9/3/97, narrava na mesma Folha que o TJ/SP pretendia queimar processos, numa "fogueira da ignorância". Por sorte, em 29/6/97, o 4º vice-presidente do TJ/SP, Carlos Ortiz, determinou a suspensão da pirotecnia. E, no ano seguinte, a 3/12/98, o STF proibia definitivamente a realização da fogueira. Com a inclusão da queima no pretenso novo CPC, mais uma vez o assunto voltava ao forno. É a fórmula mágica : zerar os custos tascando fogo nos processos. E o pior é o que dizem certos entendidos : "as ações de interesse para o patrimônio histórico e cultural serão preservadas". Esquecem, estes, que a história não é feita agora. É impossível saber se e quando um processo vai ter importância histórica. Um processo no subúrbio da cidade de Santos/SP, envolvendo um estivador, aparentemente não tem valor algum. Mas e se o filho dele se transformar, daqui a cinquenta anos, no presidente da República ? São inúmeros os exemplos disso. O fato é que agora, depois que os processos estão quase eletrônicos, e que o progresso permitiu que digitalizássemos tudo, vamos atear fogo na história ? Guardamos os processos até que a tecnologia permitisse um tipo de armazenagem a custo ínfimo, e agora vamos queimá-los ? Rui Barbosa, quase um século depois de morto, ainda carrega em sua memória a indelével pecha de ter mandado queimar os registros do Brasil escravocrata. Foi uma decisão, como hoje sabemos, meramente administrativa, e, mutatis mutandis, com propósito de evitar custos. Com as devidas comparações, é a mesma coisa. Por isso tudo, nunca é demais lembrar que a sentença da história em geral é irrecorrível. Quando alguém tiver novamente vontade de queimar processos, por favor, sente-se e espere a vontade passar.

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