segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

 

JOÃO UMBRTO NASSIF  Jornalista e Radialista

 PADRE DILERMANDO LUIZ COZATTI

 


 


 

PADRE DILERMANDO LUIZ COZATTI

 





A fascinante trajetória de vida do Padre Dilermando Luiz Cozatti é simplesmente brilhante. Um homem de elevada cultura, comunicativo, com anos de passagem por rádio, televisões, usou desses meios para evangelizar. Fluente em diversos idiomas, inclusive grego e latim. O que mais impressiona é a sua vivacidade e modéstia. Possui memória fotográfica. No exercício de sua vocação, passou alguns anos em Piracicaba, local onde realizou inúmeras obras de direcionamento de jovens, dinâmico, seguiu os ideais de Dom Bosco.

Dom Bosco era muito feliz por ter seus ex-alunos como colaboradores na missão pelos jovens pobres, quando eles deixavam as instituições educativas e entravam no mundo do trabalho.
Graças à iniciativa de um ex-aluno, Carlos Gastini, Dom Bosco viu seu sonho realizado, com o surgimento da Federação Mundial dos Ex-alunos de Dom Bosco.
A Confederação tem dois ramos - masculino e feminino.
Ambos são reconhecidos como associações civis mundiais.
A Associação está aberta a todos os ex-alunos dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora.

Dom Bosco faleceu em Turim, Itália, no dia 31 de janeiro de 1888. Foi beatificado em 1929 e canonizado pelo Papa Pio XI, em 1934. Foi aclamado pelo Papa como “O Pai e Mestre da Juventude.

Por que o nome “Salesianos de Dom Bosco”?

São João Bosco é um santo italiano do século dezenove:
seus meninos o chamavam de DOM BOSCO e “DOM” em italiano significa “Sacerdote” (Padre).
E continua a ser chamado assim também em nossos dias.
Ele fundou uma Congregação cuja finalidade é cuidar dos jovens, especialmente os mais pobres.
Ele chamou de “Salesianos” aqueles que o quiseram seguir. Esse nome deriva de São Francisco de Sales, um santo muito popular no norte da Itália, onde Dom Bosco nasceu
Ele escolheu São Francisco de Sales como patrono da sua Sociedade e quis que seus colaboradores imitassem a sua grande humanidade.

O senhor participou de algum programa de rádio em Piracicaba?

Na época o proprietário da Rádio Alvorada (Antiga Rádio “A Voz Agrícola do Brasil”), disse-me: “-Está faltando um padre na minha rádio!”. Ele a princípio deu-me três minutos, o programa teve tanto sucesso que passou a ter uma hora de duração!

O senhor é natural de Piracicaba?

Nasci em São Paulo, sou do Campos Elísios, antes de tornar-se a “Boca do Crack”! Era uma região nobre, ali situava-se o Palácio do Governo do Estado, minha infância foi toda ali, tendo como vizinhos próximos os governadores: Adhemar de Barros. Vi o Presidente Getúlio Vargas passar com o seu Rolls-Royce, via os políticos importantes da época, como Lucas Garcez, Porfírio da Paz. Eu era criança na época, mas o bairro era muto tranquilo.

A origem de seus avós é da Europa?

Meus quatro avós eram italianos! Cozatti tem suas origens no Norte da Itália. Meu avô materno era do Piemonte, a cidade dele era Turin. Eles eram originários de Foglizzo que faz parte da Grande Turim. Esse meu avô era especializado em enxerto de uva, ele veio para o Brasil certo de que iria fazer a América. A minha mãe nasceu no Brasil, antes da Primeira Guerra Mundial. Meu avô voltou para a Itália, nisso o irmão mais novo dele foi convocado para a Guerra. Ele ficou preocupado em ser convocado também. Ele voltou para o Brasil, minha mãe tinha cinco anos de idade. Passando pela França, aonde foram para Chalon-sur-Saône e para Marseille.

De lá vieram para o Brasil, onde permaneceram. Meu avô materno falava vários idiomas. Quando meu avô veio pela primeira vez ao Brasi casou-se com uma moça italiana que já morava aqui. Voltaram para a Itália, nesse período nasceu a minha mãe, que praticamente aprendeu a andar no navio que os trouxe pela segunda vez ao Brasil. Quando a minha mãe estava com sete anos nasceu a segunda filha, aqui no Brasil, ela recebeu o nome de América!

Como se chamava seu avô materno?

Pietro Rossi, sua esposa, minha avó chamavam-se Margherita.

Rossi tem alguma ligação com o sobrenome Rosso?

 Rossi é o plural de Rosso! Em português por exemplo, a pessoa refere-se a um indivíduo que é da família “dos Silva”, em italiano ele irá falar “dei Rossi”. Rosso significa vermelha, é um sobrenome muito comum no Norte da Itália.

 Seu avô veio para o Brasil e passou a trabalhar com o que?

Aqui ele foi trabalhar na Companhia Inglesa.

E o seu avô paterno?  

Meu avô paterno chamava-se Sabino Joaquim Cozatti, ele veio pelo porto de Nápoles. O sobrenome Cozatti não é napolitano, é mais comum do centro para o norte da Itália. Meu avô faleceu com 59 anos, e meu pai tinha só 17 anos.

Quantos filhos ele teve?

O meu pai era o filho mais velho, o Francisco veio a óbito, depois tinha o José, o Agostinho, Rafael, Antonieta e Julia. O meu pai foi arrimo de família. Quando faltava só um se casar, o caçula, meu pai casou-se com a minha mãe. Tiveram seis filhos: o segundo, uma semana após nascer foi para o céu, pneumonia na época não tinha cura. Ele ficou no isolamento, foi o que nasceu mais forte entre os tratamentos que fizeram, por ser uma ciência experimental, deixaram sem comer e sem mamar. O recém-nascido em estado anêmico veio a óbito.

Quais são os nomes do filho do casal?

Deisi, Laerte, Dárcio, advogado, perito contador, tem um escritório junto com o filho em Jundiai, foi professor até os 85 anos, agora, com 86 anos ele parou de lecionar. Depois vem a minha irmã Dirce, que está aqui comigo, dedicou-se a educação, foi diretora de escola, viajou o mundo. A Dalva, a Dirce e a Deise foram professoras.

O senhor nasceu em que dia?  

Nasci no dia 11 de outubro de 1943, fui batizado no dia 31 de outubro, me ordenei no dia 31 de outubro, então eu celebro o dia 31 de outubro!

O senhor nasceu em que cidade?

 Nasci em São Paulo, capital, o meu avô era da Lapa. Minha mãe e minha tia nasceram na Lapa. O meu bisavô veio da França, quis ficar aqui por um tempo quando ele ficou viúvo, aí ele voltou para Chalon-sur-Saône, foi sepultado lá. Essa cidade fica próxima a Lion.

Seus estudos iniciaram-se onde?

Estudei no Liceu Coração de Jesus, que existe ainda. O Bairro dos Campos Elíseos foi um bairro comprado dos fazendeiros. Tirando as alamedas Cleveland, Nothmann e Glete nesse local havia dois chacareiros suíços, as demais ruas recebem o nome de Barão de Piracicaba, Barão de Limeira, Barão de Campinas, eram propriedades dos barões. Naquele tempo os casarões tinham banheiros no térreo, e os quartos eram enormes, o bondinho era puxado por muares, e quem dirigia os bondes geralmente eram portugueses, por volta de 1910, quando começaram a circular os bondes elétricos administrados pela Light.

 A Avenida Paulista, naquela época tinha o solo bastante irregular. Tornou-se plana, porém nem sempre foi assim; O excesso de terra foi retirado e transportado pelos bondes elétricos, aterrando parte do bairro dos Campos Elíseos.

Ou seja, o bairro Campos Elíseos foi aterrado com a terra que deixou a Avenida Paulista plana?

Campos Elíseos teve um aterramento em torno de 3 a 4 metros de altura. Pouquíssimas pessoas sabem disso. Daí surgiu a expressão “Descida para o Bom Retiro” que era o brejo! Nós temos o Colégio do Bom Retiro, na Rua Araguari também. E o Liceu Coração de Jesus que é o primeiro do Estado de São Paulo. Tudo começou com João Melchior Bosco (1815-1888). Nascido em Becchi, próximo a Turim, na Itália, no dia 16 de agosto de 1815. Com nove anos teve um sonho que mudou para sempre a sua vida. Sonhou que estava no meio de jovens que se transformaram em feras e, em seguida, em animais mansos. Esse sonho nunca saiu de sua cabeça e a partir daí construiu seu projeto de vida, tornou-se padre e fundou a Congregação dos Salesianos (Sociedade de São Francisco de Sales).

Os Salesianos têm a missão de ajudar os jovens, especialmente os mais pobres, a trilharem o caminho ensinado por Jesus Cristo, do jeito de Dom Bosco, por meio do sistema preventivo: razão, religião e amorevolezza (palavra italiana que significa amabilidade que se expressa em atitude cotidiana), formando assim bons cristãos e honestos cidadãos.

Preocupado também com o futuro das meninas, fundou com Madre Mazzarello, o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, as Salesianas.

Para Dom Bosco, ser santo é muito fácil: basta ser alegre, cumprir bem seus deveres e ter uma vida de piedade.

Dom Bosco faleceu em Turim, Itália, no dia 31 de janeiro de 1888. Foi beatificado em 1929 e canonizado pelo Papa Pio XI, em 1934. Foi aclamado pelo Papa como “O Pai e Mestre da Juventude. O Colégio Coração de Jesus, no ano passado fez um convênio com a Prefeitura, é dirigido por Salesianos e atende alunos até a 6ª. Série passou a ser denominado Liceu Coração de Jesus. Está com 500 alunos, um colégio que chegou a ter 2.500 alunos! Era um colégio modelo! Era um internato, muita gente do Mato Grosso que era ainda unificado, depois surgiu também o Mato Grosso do Sul, de lá vinham muitos filhos de fazendeiros, esses alunos permaneciam por 4,5 até 6 anos. Saíam formados com o Curso Técnico de Contabilidade ou Colegial Científico, se preparando para as universidades. 

Havia o ensino de idiomas?

Latim, grego, francês, na época era comum também em outras escolas. O grego era ensinado nos seminários. Eu fui aluno também lá. No seminário nós treinávamos: cada dia rezávamos em um idioma! Isso ajudava muito. Os Irmãos Maristas tinham um costume mais bonito ainda: quinta-feira era dia de falar francês, que é a língua mãe da congregação. A nossa língua mãe é a italiana. Todos eles falavam, quem comete um erro passam para ele um pequeno bastão. Ninguém queria ficar com o bastão no final do dia. Eu tive muitos professores que foram Irmãos Maristas, falavam fluentemente o francês. Escreviam em francês. Dominavam totalmente a língua. Cada congregação tem seus hábitos, seus costumes diferentes, apesar de tudo em comum nos votos.

O que levou o senhor a seguir a Ordem?

Sempre gostei muito de trabalhos manuais, de fazer as coisas. Só para você ter uma ideia, eu tenho Makita, furadeira elétrica, pé-de-cabra, ferramentas como chaves de fenda, alicates, enfim o que julgo ser necessário ter a mão. O meu pai, como arrimo de família, começou a trabalhar cedo, essa era a situação de quem vinha para o Brasil, ele nasceu em Minas Gerais, mas foi criado em São Paulo. Com um ano e meio ele já estava em São Paulo.

Quais eram os nomes dos seus pais?

Meu pai era Eusébio Cozatti e a minha mãe Anita Rosso Cozatti.

Meu pai foi cantor lírico do Teatro Municipal de São Paulo. Ele aposentou-se em 1968 e por mais três ou quatro anos ainda cantou nas óperas. Ele era Tenor Primeiro, voz aguda. As classificações vocais masculinas: Tenor (voz mais aguda); Barítono (voz entre Tenor e Baixo); e Baixo: (voz mais grave). O interessante é que ele trabalhou na construção civil a vida toda. Ainda muito jovem ele trabalhou com Ramos de Azevedo. Meu pai tinha um paquímetro (instrumento utilizado para medir com precisão pequenas distancias), isso porque ele se especializou nas molduras precisas e bonitas. Quem fazia esse trabalho, na época era chamado de frentista. Hoje frentista é a pessoa que trabalha em posto de combustível e abastece os veículos! Naquela época o frentista era quem fazia a frente dos prédios. Por exemplo, uma coluna jônica, a faixada com aqueles desenhos era feito já no tijolo, na massa, no reboque, e depois alisado com a colherinha pequena. Era a obra de um escultor.

 

 

 

Colunas Jônicas:  são as colunas que possuem capitéis ornamentados com duas volutas, altura nove vezes maior que seu diâmetro, arquitrave ornamentada com frisos e base simples. Possui vinte e quatro linhas verticais.

O Ramos de Azevedo gostava muito dele. Meu pai sempre foi muito inteligente. Ele iniciou provavelmente como servente e chegou a mestre de obras na década de 50,60.

Isso foi sempre trabalhando com Ramos de Azevedo?

Com Ramos de Azevedo foi o começo. Naquele tempo nem se cogitava em fazer um garoto do povo estudar! Quando muito fazia o curso primário! Meu pai tinha uma cultura enorme por causa da ópera. O fato de os pais serem italianos, trouxeram uma visão de cultura diferenciada. Meu pai falava bonito, discursava! Ele trabalhou a vida toda em dois períodos, para criar 5 filhos em São Paulo.

Vocês moravam em que rua da Lapa?

Morávamos na Rua Coriolano. A frente do terreno tinha 18 metros, ficaram 6 metros para a minha mãe, 6 metros para a minha tia. Para começar a vida, casar-se e ficarem todos juntos. O meu pai tinha um terreno na Freguesia, meu avô precisava asfaltar a Coriolano, era o último quarteirão da Coriolano que não era asfaltado. O custo do asfalto, era bem elevado. Meu pai sem falar nada, vendeu o terreno com a esperança de comprar algo, logo. A inflação foi comendo o dinheiro, e ele não achou nada em curto espaço de tempo. Entrou em desespero, com 73 anos, acelerou, teve um câncer, foi em um hospital na Avenida Paulista, nessa época ainda existia bonde na Avenida Paulista. Tinha até pé de café nas chácaras da Avenida Paulista! Onde é o Viaduto do Chá, havia Chácaras com plantações de chá! O Vale do Anhangabaú era plantação de chá!  Ainda existem colégios que tinham como limite o riacho lá embaixo, onde é a Avenida Ruben Berta e a Rua Treze de Maio atualmente. São Paulo modificou muito e muito rápido. Meu pai vivenciou parte dessas mudanças. Em época de chuva eles não tinham como trabalhar, meu pai fez um curso na Santa Marina, com o meu avô, que até então não se conheciam. Meu avô falava francês e falava italiano.

A Vidraria Santa Marina é uma empresa brasileira com sede em São Paulo . Foi fundada em 1896 por Elias Fausto Pacheco Jordão e Antônio da Silva Prado, incorporada pelo grupo Saint-Gobain em 1960. Meu pai foi fazer um curso, para conhecer mais a língua, o meu avô já era professor lá. Meu avô veio para o Brasil para fazer enxerto de uvas. Só a viticultura foi desenvolvida agora aqui no Brasil. Imagine o que em 1900 um especialista em enxertos de uvas podia fazer aqui?

Ele passou a trabalhar com o que?

Ele começou a trabalhar como marceneiro na Companhia Inglesa, a The São Paulo Railway Company, Limited .

 

Forma

Descrição gerada automaticamente com confiança baixaLogotipo da The São Paulo Railway Company, Limited

 

 

 

 

 

que fazia o percurso Santos-Jundiaí, A sede era na Estação da Luz. Meu avô trabalhava reformando os vagões, era tudo de madeira por dentro. No final, a aposentadoria no Brasil dá para morrer de fome. Meu avô ficou desesperado e o meu pai construiu a casa. Eu tinha 10 anos, já estava no Liceu Coração de Jesus, na 5ª Série. Na quinta-feira nós não tínhamos aula, era o dia em o pessoal do internato ia para a fazenda, os Beneditinos iam para o Jardim São Bento, atrás do Campo de Marte, ali era a Chácara dos Beneditinos, o Liceu tinha em Santa Terezinha, que hoje é o colégio, o carro-chefe das escolas, fica junto ao Horto Florestal de São Paulo. A casa que o meu pai nos deixou fica no Alto do Mandaqui. Meu pai foi frentista da Igreja Santa Terezinha. Na Revolução de 1924, caiu uma bomba no Liceu. Ela não deu a explosão prevista. Foi uma bomba que trincou, mas não explodiu. O Padre Zae que tinha o apelido de “Cebolão”, pelo fato de ser careca era muito enérgico, tinha pedido a graça, pediu a  Santa Therezinha que não acontecesse nada com os alunos. Parte dos alunos ficou em Santa Therezinha. Tinha uma piscina de 50 X50 metros. Plantava-se arroz. Era um brejão! Hoje é um colégio enorme, tem até teatro com três andares, palco giratório. O programa Ra´-Tim-Bum fazia as gravações lá, era apresentado pela TV Cultura com muito sucesso. O teatro faz parte da educação salesiana, a banda, a orquestra sinfônica.

O senhor tocou na orquestra?   

Eu toquei na banda! Comecei como mascote, me deram um flautim e eu dava uns trinadinhos! Tocava de ouvido, eu era pequeno, tinha 7 anos, já estava solfejando, mas não sabia nem ler, nem escrever. Eu ia com o flautim na frente, o público ficava dizendo” -Ai! Que bonitinho!”. Eu pensei que fosse um grande músico! Quando chegou a hora de pegar a partitura, voltei para o sax gênesis, passei para a trompa, depois para o trompete e depois para o trombone. Isso me deu margem para formar bandas, fanfarras. Até aqui em Piracicaba, no Oratório São Mário, fiz uma fanfarra com os meninos de rua.

O senhor foi ordenado padre quando?

Eu fiz 15 anos de seminário. Entrei na 7ª série por causa do grego e do latim. Fora do seminário, em outras escolas, havia duas aulas de latim por semana, tinha duas de francês e duas aulas de inglês. Com isso você acaba não aprendendo nenhuma das línguas. No seminário tinha cinco aulas de latim por semana! No sábado e no domingo se estudava a Sagrada Escritura em latim. No período de um ano era em francês e no último ano em grego. Você tem as matérias religiosas nas línguas porque é necessário. Você pega qualquer volume de teologia, você tem que saber! É como o médico, para decorar o nome dos remédios deve estudar latim. O grego também ajuda muito. Culturalmente são línguas muito ricas, além da história dos romanos as catilinárias. Na 7ª série o pessoal já estava estudando Cícero, as Catilinárias.

Em que ano o senhor ingressou no Seminário?

Eu cheguei no dia 12 de fevereiro de 1957, entrei fui para a banda, fazia parte do coral do seminário. No dia 24 eu era o artista principal da comédia “O mar é o meu sonho”. Essa dinâmica de atividades dura até hoje.

Quantas horas o senhor dorme por noite?

Durmo de quatro e meia a cinco horas no máximo.

Isso não prejudica a saúde?

Não, pelo contrário! Vários médicos, psiquiatras, afirmam que o idoso precisa dormir quatro horas e meia para ele estar bem. Durmo da meia noite, pouco mais tarde, até as quatro e meia da manhã.

Ao que consta em sua biografia, na idade madura Rui Barbosa dormia de quatro a cinco horas por noite.

O meu pai a vida toda trabalhou em dois lugares. Só depois de idoso, quando ele partiu aos 92 anos, ele ficava na cama um pouco pela manhã. Levantava-se, tomava o café dele, solene, com toda pompa. Antes não, a gente tinha que correr atrás.

Esses hábitos o senhor adquiriu no seminário?

Eu ampliei no seminário! Os padres levantavam às 5 horas da manhã para às 5:30 estarem trabalhando com os alunos.

O senhor ordenou-se em qual igreja?

Fui batizado, fiz a primeira comunhão e fui ordenado padre no Liceu Coração de Jesus. O Bispo Ordenante tinha sido provincial nosso Dom Antônio Barbosa, que foi Bispo de Campo Grande. Hoje estou com 52 anos de padre, 62 anos de salesiano. Participei de um Congresso Internacional por meio ano, em Roma. Isso foi antes de ser padre, fui eleito pelos seminaristas, eu representava a Juventude Salesiana. Na época o Papa era Paulo VI. Até teve um episódio na ocasião. No Brasil não se usava mais batina e nem hábito. E para lá, todos foram de terno cinza, colarinho cinza, ou de terno preto, ou azul marinho escuro. (O colarinho clerical é conhecido como clergyman, ou roupa dos clérigos). Os americanos nesse ponto são modelo. Quando eles estão no ofício, você os chama no escritório para atender o pessoal, eles estão com o clergyman, como o juiz de toga. Quando a passeio, saem à paisana. Quando estão em casa, no inverno, usam batina. Nós usávamos batina, de manhã, tarde e à noite. \jogávamos bola de batina. Imagine no verão em Piracicaba! Daí veio a batina branca. Era quase impossível mantê-la totalmente branca!

Em que ano o senhor veio para Piracicaba?

Vim em 1982. Eu estava com 40 anos de idade. Eu me formei padre com 28 anos, portanto estava com 12 anos de sacerdócio. Eu era diretor do Liceu de Campinas. Eu renunciei. O Superior disse-me: “É um absurdo, você está indo bem!  Você administrou bem”. Concordei com tudo que ele falou, só que disse: “Nós fomos feitos para educar a juventude pobre e abandonada! Estou cansado de trabalhar só sábado e domingo com criança pobre, que é o Oratório Festivo! Que formou muita gente!  Em 1961 o Mário Dedini pediu para os salesianos virem para a Vila Rezende, Ele disse: “Eu quero tudo que vocês fazem no Dom Bosco. Futebol, Teatro, não precisa ter escola! Mas que a molecada possa ter um ambiente bom”. Ele fazia as festas dele lá no oratório. Nessa época eu era noviço, O diretor do Oratório chamava-se Mário. Mario Dedini disse-lhe: “Eu sou Mário, o senhor é Mário, vamos colocar o nome de Oratório São Mário, que foi um Santo Romano, ele mandou buscar uma estátua, só que acho que na Itália venderam por peso a estátua, acho que ela é de cimento! Eu carreguei para reformar, disse para o restaurador, um português, incrementar algumas pequenas alterações de pequena monta. A imagem veio de Roma e essa restauração foi feita em São Paulo. Dois homens suavam para carregar.

Havia muita frequência de jovens no Oratório São Mário?

Chegamos a montar oito times de futebol. O futebol, era para atrair os meninos. Dom Bosco tinha um princípio interessantíssimo; “Vamos gostar do que os meninos e os jovens gostam para que eles gostem do que nós gostamos. Vamos apresentá-los a Jesus Cristo, à fé, à Maria”. Alguns podem dizer: “- Eu não tenho mãe, eu não tenho pai!”. Deus é pai!

Então ele apresentava o Santo como uma resposta para a angústia! A vida na alegria! O Reino de Deus! O Reino da garotada. Os oratórios mudaram muito de nomes, mas a finalidade é sempre atrair. Então nós somos um grupo jovem que não deveria ser chamado de momento musical, mas sim monumento musical. Hoje tem escola de música com 600 alunos!

O Oratório formou gente em todos os campos. Essa escola é uma iniciativa de um casal que se conheceram no Oratório São Mario.

O Oratório pode ser mais conhecido pela cidade?

Na minha época ele ficou muito conhecido porque eu fui para o extremo! Ninguém cuidava dos meninos de rua.  Eu fui a reuniões em dois Rotary Club, encontrei o Domingos que fez encontro comigo em Campos do Jordão como universitário na Pastoral da Juventude, ele era genro do Elmor Zambello. Quando vim para Piracicaba já tinha algumas gavetas abertas. O Enedi Boaretto, tinha a Caninha Boaretto antigamente, foi seminarista comigo e era aqui da ESALQ.

A juventude antigamente tinha uma participação maior junto a igreja, particularmente junto a Igreja Católica, o que nós sentimos hoje é que ouve um distanciamento do jovem, isso parece até mesmo que foi motivado por outros interesses.

Os analistas científicos, sociólogos que tem amor de verdade em buscas em suas análises eles não têm examinado mais “a juventude” mas sim “as juventudes”!  Criaram-se juventudes como forma de ser jovem. Quanto mais louco for, melhor! Quanto mais sem princípio for, melhor!  São desvalores que se tornaram grandes valores!

Mas isso tem um fim?

Ah! Sim! Chega a um ponto que satura!

Eu estava em Campinas quando celebrei uma das primeiras missas da Rede Globo. A gravação durou quase 13 horas. Foi a Missa de Natal de 82, ou 83. A missa foi filmada inteirinha, só que depois foi editada, o Bispo recomendou que eu fizesse do sermão um ato contínuo do começo até o fim. Celebrei a missa toda, o resto do tempo foram tomadas de cena. Quando pronuncio: “Glória a Deus nas alturas!” segue uma revoada de pombas! Só eu que não vi! Eu estava de costas, era no Largo!

O senhor fez um rodízio de cidades?

O meu histórico é fácil! Sempre onde precisou de alguém para “quebra-galho” eu aceitava. Por três anos fui para Sorocaba. Eu já tinha trabalhado lá antes, no Colégio Salesiano São José em Sorocaba. Era a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora. Eu fiz o 13º ano do Colégio, depois fui diretor no  40º ano do Colégio, eu estava com 25 anos de padre, eu tinha trabalhado como seminarista, 72,73 e 74 trabalhei em Sorocaba. Sendo que nas férias eu ia para os encontros de adolescentes, férias e colônia de férias com os alunos. Em julho em Campos do Jordão, e em janeiro ao seminário de Lavrinhas, onde está a Canção Nova hoje.

O senhor foi radialista também?

Todo e sempre! Em Campos do Jordão fazia programa na rádio, a Rádio Mais Alta do Brasil! Fizemos novelas em todos os sanatórios. Conheci o Padre Vita, conheci vários fundadores. O padre Vita foi tuberculoso e fez uma congregação para cuidar dos tuberculosos. Hoje está minguando porque tuberculose se trata em casa atualmente. Ou seja, morre em casa, dá o tratamento e o paciente não tem dinheiro para comer o que precisa comer. Tuberculose tem que ficar parado, você é doente, mas não sente. Quanta gente morreu na minha mão, chegava no hospital, comia, dali a pouco estava vomitando sangue, dava tempo de rezar e encomendar a Deus. Para a criançada íamos animar, as Irmãs perguntavam: “Porque tanto grito Padre Dilermando?” A resposta era: “É gritoterapia!”. Alegres eles não pensam em doença. Senão ficam pensando ou dizendo: “Estou com frio!”, “Não posso tomar sol”, “Estou doente” ... Tem que extravasar!  

O senhor sempre foi muito animado!

A minha vida era em São Paulo, daí arrumei sarna para me coçar, foi uma experiência muito boa, por três anos participei como voluntário, com os jovens que faziam encontro em Campos do Jordão, eu ocupava o domingo deles na FEBEM, na Unidade de Triagem n°2. Nós tínhamos lançado um livro chamado: “O Evangelho Segundo o Trombadinha”. O pessoal de lá achou que essa palavra era ofensiva. Não é trombadinha vai ser ladrão, vai ser bandido e vai morrer! Sem julgamento nenhum. Eu prefiro dizer que era trombadinha e hoje ele é gente. No fim, o título do livro ficou sendo “O Evangelho Segundo Barrabás”. Barrabás foi escolhido para ficar no lugar de Jesus. Ou seja, ou você faz dele um cristão ou deixa morrer como um bandido. Era a interpretação dos meninos do texto do Evangelho. Na capa, o garoto que fez, é meu ex-aluno. Ele colocou a frase: “Jesus foi mais feliz do que eu”. Ele prossegue no texto escrevendo: “Quando o puto do meu pai soube que eu estava em jogo, ele sumiu. E minha mãe me criou na rua, para poder pedir esmola e sobreviver. São textos assim, que tiversm origem quando Paulo VI, na época Arcebispo de Milão, pediu para os salesianos cuidarem no pós-guerra dos órfãos. Eles formavam um grupo que pode ser comparado ao Hamas atualmente. Eram milhares de jovens órfãos que buscavam a sobrevivência dentro do caos. Formaram um grupo fechado, que saía matando, roubando, extremamente revoltados.

O senhor tem algum projeto a ser realizado em Piracicaba?

Eu fiz um projeto, realizei, tivemos até fábrica de sorvete, em Manaus trabalhamos com sucata, por isso sou Cidadão Piracicabano! Foi dado pela vereadora Márcia Pacheco. Quando eu saí infelizmente perceberam a minha falta. Eu gostaria que ninguém percebesse, mas que o projeto tivesse continuado.

O senhor está escrevendo um livro?

Estou! Chama-se “Memórias do Oratório”! Está quase pronto. Quero incluir mais participações após 40 anos. O que foi virou uma tese e defendi na faculdade. Apresentei até em Israel! Como recuperar drogados. Ontem mesmo, fui visitar um que é pai de família, no dia em que inauguramos o “Recanto da Amizade” na Rua Prudente de Moraes, ele choramingando falava: “Eu quero a minha cola!”. E assim ele ia se lamentando. Isso com a presença do Bispo, da Imprensa. Nós tínhamos feito um trato: se entrasse naquele ambiente não poderia ter cola. Se quisesse ir embora, pegava a cola que tinha levado e ia embora. Lá eles tomavam banho, comiam, tinham lazer, aprendiam ler e escrever, tinham quatro horas de trabalho, com isso esqueciam da cola. Nos fins de semana fazíamos a queima da cola, que por sinal tem uma fumaça bonita! Colorida! Era a droga mais utilizada pelos garotos na época. Eles colocavam a cola de sapateiro em um saquinho e inalavam. Com isso eles criavam coragem para praticar pequenos furtos, roubavam as bancas, o que estivesse ao alcance. Os comerciantes da Rua Governador Pedro de Toledo deram graças a Deus quando eu cheguei.

Fiz um desfile com o dono da Sorveteria Paris e com o dono da Cacau. Eles saíram a frente. Quem fazia os sorvetes eram os jovens do grupo da Ivete, iam todas as noites lá, ficavam com os jovens, conviviam com eles, houve um casamento entre eles, fazia bailinhos. Nesse desfile em que os dois empresários foram na frente, os meninos foram com 12 carrinhos de sorvete, com a ajuda do Cristofoletti, o prefeito Adilson Benedito Maluf, ex-aluno do Colégio Dom Bosco, conseguiu os carrinhos de sorvete e a máquina para fabricar o sorvete. Os meninos saíram uniformizados e vendendo sorvete! Ganhavam 40% registrado em carteira de trabalho!

Trinta e três deles trabalhavam na Loja Americana, no Shopping Piracicaba, que era pequenininho na época. Eram empacotadores. Outros trabalhavam na sucata porque não queriam andar limpos!

Para os garotos bem pequenos, eu ganhava uma tonelada de balas de uma empresa de São Paulo, colocava em saquinhos essas balas, elas eram vendidas e o dinheiro ficava para eles, eles tinham que levar dinheiro para casa a noite! Os grandes já não voltavam para casa porque sabiam que poderiam fazer outras coisas por aí.

Quem era grandinho, era fumante, a regra era “Aqui não se fuma”. Então ele ia fumar dando uma volta no quarteirão. De dar tantas voltas no quarteirão perdia o vício!

Uma bela psicologia!

Na porta tinha um aviso: AQUI NÃO SE FUMA. Recebíamos mães, pessoas desesperadas que vinham ajudar na cozinha, gente problemática mesmo. Tinha as ótimas mães de família. E tinha aquelas que vinham para se encontrar na vida. Logo viam os dizeres: Respeitamos a natureza. No Oratório tínhamos 1.500 pintinhos sendo criados. A área física do Oratório são 13.000 metros quadrados. Fiz o campo de futebol, piscina, campo de futebol Society e fiz a sucata, que íamos buscar em Manaus, aproveitando o retorno de caminhões vazios. Lá nós comprávamos diversos itens a preços locais, ajudando dessa maneira os meninos da região.   Por exemplo, lá uma garrafa custava 20 centavos na época, aqui eram 3 ou 4 reais. Trouxemos uma vez, milhares de garrafas, quebraram só umas 150. A viagem levava de 15 a 19 dias. Nessa época, ganhamos uma concorrência de compra de sucatas metálicas da moto Honda, onde tinha um caminhão que prensava tudo que sobrava e vinha para o Dedini e outras empresas que compravam da gente. Você começa a fazer, quem tem boa vontade aparece, A Santa Marina, mandou uma pessoa, ele me deu uma perua Kombi e 70 containers próprios para levar vidro. Nós chegamos a levar toneladas de vidro para a Santa Marina, o pessoal doava vidros nesses containers. Para esse trabalho colocamos funcionários habilitados por ser um serviço mais específico que oferecia risco ao leigo.

O senhor foi um empreendedor!

Fui! Tenho até uma tese que uma judia escreveu, ela fez uma análise do meu empreendedorismo.

Quando sai o seu livro?  

Era para ter saído, nos 50 anos, há 2 anos atrás.

O que falta para sair?

Está faltando a parte de mais testemunhos. Para mim o mais importante são os últimos 40 anos. O pessoal tem me mandado mensagens, tenho recebido um bom material.

Sou uma pessoa conhecida, já fui até no Programa do Jô Soares, eu toco pandeiro nas horas vagas!

Nesse momento, Dilermando levanta-se, dirige-se a um quarto ao lado, e volta com um pandeiro profissional. Boquiaberto vejo aquele padre com uma habilidade e destreza, rodopiar rivalizando seus movimentos com os do grande Jackson do Pandeiro, Dilermando, a meu pedido, dá uma demonstração de como desliza o dedo na borda do pandeiro, isso só os craques fazem com perfeição. E de improviso ele fez! Com um sorriso de um menino, ele parece se divertir muito.

Como você aprendeu a tocar pandeiro?

Com dez anos de idade, meu irmão Darcio, tinha conjunto de música moderna , como se chamava na época, meu irmão tocou no Sílvio Santos por muitos anos, é perito contador de contabilidade pública e privada, advogado, professor, trabalhou nas finanças das ETECs.

Você é uma pessoa especial, traz uma alegria pura, tem um olhar para o próximo como um irmão, talvez seja isso que a humanidade esteja procurando com tanta aflição.   

Devo isso ao meu pai, a minha mãe, aos meus irmãos, fui iniciado no mundo em um ninho bem-feito. Uma família bem constituída, sempre lutei pela família, o carisma de Dom Bosco é família. Na época, no Oratório, dávamos refeição para 150 pessoas, juntos, eu ficava na ponta, os dirigentes todos misturados, Ali íamos corrigindo os defeitos sem chamar a atenção. A pessoa comeu a galinha, jogou o ossinho, devagarinho , quem viu, vai lá e diz: “Ô meu, pega o ossinho lá que vai ficar criando problema!”.

Quantas faculdades você já fez?

Fiz Filosofia Pura, Pedagogia, Teologia, Educação Física. E daí cursos complementares para ir me especializando cada vez mais nessas áreas todas. Dei aula de Psicologia por 59 anos.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário